o médio oriente prepara-se, assim, para uma nova aventura bélica enquanto os inspectores das nações unidas correm contra o tempo para apurar a verdade sobre o que washington, londres e paris dizem ter sido a derradeira atrocidade do regime de bashar al-assad.
os tambores de guerra começaram a rufar logo após os primeiros relatos do aparente ataque com armas químicas de dia 21, no subúrbio damasceno de ghuta. cerca de 100 pessoas terão morrido asfixiadas por gases tóxicos, numa zona controlada pelos rebeldes (inicialmente, falou-se em mais de um milhar de vítimas). a confirmar-se, o ataque seria o mais mortífero do género desde que saddam hussein gaseou os curdos em 1988 e representaria a ultrapassagem da linha vermelha traçada por obama para uma intervenção no país árabe. “estamos convictos de que o governo sírio cometeu estas acções”, disse o chefe do estado norte-americano à pbs.
apesar dos dedos apontados da oposição e do ocidente, damasco nega veementemente qualquer responsabilidade no incidente e deixa no ar a ideia de uma conspiração. a tese é acolhida por rússia e china, aliadas da síria no conselho de segurança da onu. tanto moscovo como pequim acusam os eua de procurarem um mero pretexto para atacar damasco e inverter um tabuleiro de jogo que neste momento é favorável ao regime. desde a batalha de qusair que as forças armadas, apoiadas pelo hezbollah, somam ganhos na frente militar a uma coligação difusa de rebeldes que ainda aguarda os prometidos carregamentos de armamento ocidental.
esta é precisamente a grande interrogação levantada por aqueles que contestam a ideia de um ataque do regime: se damasco estaria perto de vencer a guerra, por que cometeria um massacre que sabia ser passível de desencadear uma penalizadora intervenção internacional? e por que o faria no preciso momento em que recebia duas dezenas de peritos da onu numa investigação às suspeitas de um anterior incidente com substâncias químicas?
as dúvidas subsistem, mesmo no seio dos serviços secretos norte-americanos. ontem, e recorrendo à gíria do basquetebol, vários oficiais declaravam sob anonimato à associated press que as informações recolhidas até ao momento não equivaliam a nenhum “afundanço”. no congresso, a oposição republicana pede mais dados a obama, enquanto em londres são os trabalhistas a pedir tempo ao conservador david cameron.
na quarta-feira, e em sintonia com as solicitações sírias e russas, o secretário-geral da onu, ban ki-moon, pedia mais quatro dias para que os investigadores possam recolher indícios no terreno e redigir um relatório conclusivo, a submeter ao conselho de segurança.
‘não será um iraque’
no mesmo dia, porém, uma porta-voz do departamento de estado norte-americano verbalizava a intransigência da casa branca. “não vemos qualquer caminho possível [na onu] dada a continuada oposição russa a qualquer acção significativa contra a síria. deste modo, os eua vão prosseguir com os seus preparativos e tomar uma acção apropriada nos próximos dias”, disse marie harf.
e os preparativos estão feitos. ao longo da semana, a base britânica de akrotiri, no chipre, a cerca de 100 quilómetros da costa síria, recebeu inúmeros aviões bombardeiros. no mar, quatro contratorpedeiros norte-americanos aguardam ordens no mediterrâneo oriental. a frança, que também poderá participar numa ofensiva, tem meios aéreos a postos na base de al-dhahra, nos emirados árabes unidos.
a crer no que a imprensa anglófona publica com base em fontes do pentágono, o guião dos próximos dias será semelhante ao da operação raposa do deserto, em 1998. os eua de bill clinton bombardearam então o iraque, para punir o regime de hussein pelo incumprimento das resoluções da onu de desmantelamento do seu programa de armas de destruição em massa – dossiê posteriormente utilizado para justificar a invasão de 2003, altura em que bagdade já não dispunha de armamento proibido. a acção limitou-se ao ataque aéreo de um número restrito de alvos militares e políticos iraquianos, numa tentativa de desmantelar a cadeia de comando que poderia ordenar uma acção não convencional.
o mesmo estará em cima da mesa em relação à síria: uns poucos dias de bombardeamento de posições militares e de alguns edifícios do poder político. o objectivo não será o derrube do regime de assad, mas a destruição parcial da sua máquina de guerra.
“não será uma repetição do iraque”, sublinhou obama na entrevista de terça-feira à pbs, aludindo à intervenção de 2003 e não à de 1998. “queremos só enviar-lhes uma mensagem muito clara: parem de fazer isto”, disse o presidente norte-americano.
permanece uma incógnita o possível efeito de uma acção limitada no decurso do conflito civil sírio, que em dois anos matou cerca de cem mil pessoas e transformou dois milhões em refugiados.
já nos restantes países do médio oriente, e apesar da oposição feroz a assad por parte de israel e do bloco sunita liderado pela arábia saudita, há o receio de um efeito dominó. no estado hebraico, registou-se uma nova corrida às máscaras de gás e o governo mobilizou milhares de reservistas para responder a eventuais represálias sírias. no líbano, teme-se novo pontapé no vespeiro sectário. aí, e também no iraque, aumentaram nos últimos meses as hostilidades entre muçulmanos sunitas e xiitas.
nota: artigo publicado sexta-feira na edição impressa do sol