o rapto do primeiro-ministro líbio ali zidan na madrugada de quinta-feira na capital trípoli poderá ter sido o mais recente episódio da guerra entre o ocidente e a al-qaeda que, nos últimos tempos, tomou conta da metade setentrional de áfrica e aumentou a pressão migratória sobre a europa. cerca de 150 homens armados cercaram às primeiras horas de quinta-feira o hotel onde zidan residia, algemaram o governante e levaram-no para um edifício governamental. seria libertado horas depois.
o acto, que é também mais um sintoma da anarquia em que a líbia mergulhou após o derrube e morte de muammar kadhafi em 2011, está a ser entendido como uma represália pelo raide norte-americano de sábado na mesma cidade, em que foi detido abu anas al-libi, um dirigente da al-qaeda suspeito de envolvimento nos atentados de 1998 contra as embaixadas dos eua no quénia e na tanzânia.
al-libi estará agora a ser interrogado pelas forças norte-americanas num navio em alto mar, uma prática que o new york times diz ter substituído a dos chamados voos da cia.
é grande a revolta de boa parte das milícias líbias perante a colaboração do frágil governo de zidan com washington no raide, depois desta ter sido publicamente reconhecida pelo chefe da diplomacia norte-americana john kerry. maioritariamente islamistas e tribais, as milícias que substituem o estado na quase totalidade do país exibem sinais de crescente proximidade com a al-qaeda no magrebe islâmico (aqmi).
do mali para a líbia
expulso do mali pelas forças francesas e em ruptura com os circunstanciais aliados tuaregues, o braço regional da rede terrorista fundada por osama bin laden encontra agora refúgio no sul da líbia e no norte do níger, em estreita colaboração com a ansar al-sharia, responsável pela morte do embaixador norte-americano christopher stevens, há um ano, em bengazi.
a aqmi é também suspeita de auxiliar a expansão de dois outros movimentos radicais africanos afectos à rede agora comandada pelo egípcio ayman al-zawahiri: o nigeriano boko haram, responsável por mais de um milhar de mortes nos últimos anos, e que esta semana prometeu uma «longa guerra» contra o governo pela implantação de um emirado, e o somali al-shabab, que reivindicou o ataque de setembro contra o centro comercial westgate em nairobi, no quénia. e não terá sido coincidência que, no sábado, outra unidade das forças especiais norte-americanas tenha lançando um raide na somália para tentar capturar, em vão, ahmed godane.
líder do al-shabab, godane decretou em 2011 a fusão do grupo com a al-qaeda ‘mãe’ e decidiu a expansão da luta salafista para lá das fronteiras da somália. a internacionalização do movimento também se dá no recrutamento. segundo as autoridades do quénia, o ataque ao westgate, que vitimou 72 pessoas, terá sido perpetrado por um comando que incluía cidadãos britânicos e norte-americanos.
internacional terrorista
a luta contra o al-shabab é por isso também travada em solo norte-americano. segundo a revista time, o fbi procura um recrutador do grupo terrorista em minneapolis, morada da maior comunidade somali nos eua, que terá convencido entre 25 e 40 jovens a aderir à causa radical durante os últimos seis anos.
o suspeito, um funcionário de uma mesquita, foi detido em maio, mas pelo menos dois jovens norte-americanos de origem somali filiaram-se no al-shabab em julho, reforçando suspeitas de que a rede de recrutamento continua activa. «vamos continuar a desenvolver esforços para travar este pipeline», disse àquela revista o porta-voz do fbi em minneapolis, kyle loven.
no reino unido, investiga-se o papel de samantha lewthwaite, viúva de um dos bombistas suicidas que atacou londres em 2005, no recrutamento e financiamento do movimento somali, sendo que nairobi admite que a britânica convertida ao islão poderá ter participado no ataque ao westgate. a chamada viúva branca é desde o mês passado alvo de um mandado de captura internacional.
o egipto completa a rota da expansão do terrorismo islâmico em áfrica. pelo menos oito pessoas morreram esta semana em dois atentados na península do sinai. as acções são atribuídas a vários movimentos, entre estes um novo grupo radical, o ansar bayt al-maqdis, também próximo da al-qaeda, e enquadram-se numa campanha terrorista que se intensificou após o derrube do presidente islamista mohamed morsi. há semanas envolvido num jogo de gato e rato com os radicais, o exército egípcio admite já intervir na vizinha faixa de gaza, onde os terroristas encontram refúgio através da extensa rede de túneis ilegais que também alimentam a luta de grupos palestinianos contra israel.
depois das vitórias eleitorais dos partidos religiosos na sequência das revoluções árabes, o golpe militar de julho veio dar nova força aos argumentos antidemocráticos dos salafistas. na altura, zawahiri apelou a uma jihad contra os «cruzados» e os seus aliados, no egipto e por todo o norte de áfrica. é um chamamento que ganha força com a quebra das promessas revolucionárias de 2011.
pedro.guerreiro@sol.pt