no senado, controlado pelos democratas, o diploma foi aprovado por 81 votos favoráveis e 18 contra, enquanto na câmara dos representantes a lei passou com o apoio de 285 congressistas e a oposição de 144. apesar da aprovação por parte da liderança republicana moderada de john boehner, a maioria dos parlamentares conservadores votou contra a medida, incluindo o antigo candidato à vice-presidência, o influente paul ryan, evidenciando o estado de rebelião em que o partido da direita norte-americana mergulhou.
isto porque o saldo para os republicanos é o de uma derrota total, sem a obtenção de qualquer cedência significativa por parte dos democratas. a nova lei orçamental acabou por não afectar o obamacare, a grande reforma do sistema de saúde norte-americano e o verdadeiro motivo para a tentativa republicana de um golpe palaciano.
tudo o que a oposição conseguiu fazer foi acrescentar ao diploma um mecanismo reforçado de luta contra a fraude, obrigando os candidatos a apoios sociais na saúde a fazer prova dos seus rendimentos. pelo contrário, e como habitual na política norte-americana, a lei aprovada na quarta-feira inclui inúmeras cedências a lóbis estaduais e regionais (uma polémica e cara barragem no kentucky, fundos para as vítimas das cheias no colorado) e mesmo um aumento das pensões para os veteranos de guerra.
para este desfecho acabou por contribuir a percepção generalizada de que, caso os eua entrassem em incumprimento e provocassem um novo colapso dos mercados financeiros globais, os republicanos seriam tidos como os grandes responsáveis.
republicanos em guerra civil
logo após a votação, boehner tentou apelar à unidade dos republicanos, desvalorizando a derrota. “lutámos bem, só que não vencemos”, disse boehner.
“o nosso grande objectivo continuará a ser travar o desastre sobre rodas que é a lei da saúde do presidente”, prometeu no entanto.
a derrota feriu gravemente os conservadores a um ano das eleições intercalares, tendo-se aprofundado a cisão entre as alas modera e ultraconservadora.
“foram duas semanas terríveis para o partido republicano”, admitiu o senador lindsey graham. “a maneira como nos comportámos e o rumo que adoptámos marginalizou-nos aos olhos do povo norte-americano”, acrescentou, criticando a ala radical que domina a bancada republicana na câmara dos representantes.
“foi um dos capítulos mais vergonhosos que eu vi em todos os anos que passei no senado”, disse também john mccain, candidato presidencial em 2008 e senador desde 1987.
uma sondagem da pew research de quarta-feira também revela um desgaste dos republicanos e sobretudo do tea party, o movimento libertário de direita que tem vindo a impor uma agenda radical ao grand old party. apenas metade dos republicanos inquiridos vêem favoravelmente aquele bloco, e uma maioria dos norte-americanos de todas as inclinações ideológicas censuram a actuação do movimento.
segundo o mesmo inquérito, ted cruz, o homem que liderou a oposição ao obamacare nas últimas semanas, é agora elogiado por 74% dos apoiantes do tea party (contra 47% em julho), mas apenas 25% dos republicanos tradicionalistas apoia o radical próximo de sarah palin.
na imprensa, os comentaristas de direita dividem-se entre os que apelam a uma reconciliação e mesmo à desistência da ofensiva contra o obamacare e os que pedem a decapitação da liderança republicana e uma maior radicalização do partido.
no entanto, os democratas também não podem cantar vitória. a medida promulgada ontem de manhã por obama é apenas temporária: o tesouro pode pedir dinheiro emprestado até 7 de fevereiro e o estado só tem dinheiro para as suas actividades administrativas até 15 de janeiro.
governar de crise em crise
obama apelou por isso a um acordo abrangente e permanente sobre a dívida federal. “temos de nos deixar deste hábito de governar de crise em crise”, declarou o chefe de estado.
a pressão também chega de fora. christine lagarde, directora-geral do fundo monetário internacional, pediu ontem “estabilidade” aos norte-americanos. “é essencial que se reduza a incerteza em torno da política fiscal dos eua através de uma alteração mais durável do limite de endividamento”, disse a antiga ministra francesa das finanças, que desafiou ainda washington a aprovar um verdadeiro orçamento do estado para um ano ao invés de leis orçamentais de curto prazo.
essa solução permanente é prevista pelo acordo de quarta-feira. até 13 de dezembro, um supercomité de parlamentares democratas e republicanos vai tentar desenhar uma fórmula que agrade aos dois partidos – idealmente, com o aumento dos impostos para os contribuintes mais abastados pedido pela esquerda e com o corte na despesa pública exigido à direita.
no entanto, e dada a polarização da política norte-americana actual, o acordo é pouco provável. dezembro poderá mesmo ficar marcado pelo início de uma nova crise política, quando o congresso retomar a discussão do tecto da dívida sob a ameaça de um novo shutdown no mês seguinte. “isto ainda não acabou”, ameaçou o senador republicano mike lee logo após a votação de quarta-feira.
para já, centenas de milhares de funcionários que passaram as últimas duas semanas e meia em casa voltaram ontem ao serviço, e os 800.000 que estiveram sem receber salário obtiveram anteontem a garantia de que vão ser recompensados no final do mês.