Governo acciona ‘plano C’

Não é um plano B, porque o Governo não tem à mão medidas suficientes para contornar o chumbo das medidas mais difíceis do Orçamento. Mas é um plano C, aquele que o núcleo duro do Executivo pôs em marcha para evitar o pior cenário: um chumbo liminar dessas medidas pelo Tribunal Constitucional (TC).

o objectivo é mais modesto do que até aqui: abrir a hipótese de um terceiro cenário (entre o chumbo liminar e a aprovação), que passe por chumbos de efeito limitado, como aconteceu nos últimos acórdãos sobre o código do trabalho e da lei da requalificação.

no núcleo duro do ‘passismo’ é isso que se espera agora: “temos esperança que as medidas passem, elas estão mais equilibradas e são melhores do que as aplicadas em 2012. mas se houver problemas, ao menos que não deitem tudo abaixo”. leia-se: que seja deixada margem para a aplicação das medidas, ainda que com alterações que lhe limitem os ganhos orçamentais.

tirar aqui, pôr do outro lado

há mais ou menos três semanas que um pequeno núcleo de governantes começou a testar soluções para minimizar os tais riscos constitucionais. os problemas eram essencialmente dois: cortes de pensões que se sobrepunham e acabavam por colocar em xeque três diplomas (pensões de sobrevivência, ‘reforma’ da caixa geral de aposentações’ e a velha contribuição extraordinária de solidariedade) e os cortes de salários no estado, que teriam de incluir os aplicados por josé sócrates em 2011 e que só passaram no tc por serem provisórios.

miguel poiares maduro, o ministro-adjunto, e hélder rosalino, secretário de estado da administração pública, trabalharam em alternativas, mas esbarraram no problema de sempre: anular esses riscos tiraria valor às medidas em causa. era preciso, portanto, medidas de compensação.

o cenário não podia ser pior na primeira das maratonas do conselho de ministros que se debruçaram sobre o oe2014. havia cortes a triplicar nas pensões. e a revisão salarial do estado tinha como base um corte de 10% igual para todos os trabalhadores.

com a ministra das finanças relutante em inverter as medidas, só a reacção na sala do 7.º andar da presidência do conselho de ministros abriu espaço à discussão. vários ministros, do psd_ao cds, alertaram que um chumbo no tc era certo. as decisões foram, porém, adiadas para domingo. na recta final, o governo chegou a um entendimento sobre os acertos.

primeiro, evitando a acumulação de cortes nas pensões. por alternativa ficaram decididos alguns cortes adicionais, nas ppp, e aumentos de taxas ou impostos que não tinham sido pensados: o tabaco e álcool, assim como automóveis a gasóleo, acabaram penalizados por isso, compensando os mais de 200 milhões que se perderam no caminho. “fizemos um esforço muito grande para permitir que o orçamento passe”, dizia um dos presentes nas maratonas de negociação interna.

quanto aos cortes de salários, fecharam num corte progressivo, abrindo-se a opção adicional de reduzir o horário de trabalho em duas horas diárias e juntando ainda um prémio para os serviços de maior eficiência. tudo para reforçar a ideia de que havia equidade na distribuição da austeridade – argumento várias vezes invocado nos últimos acórdãos do tc.

com isto, o que espera agora o executivo? que os juízes do ratton possam levantar ‘apenas’ um problema de progressividade e proporcionalidade nos cortes aplicados nas pensões da cga – e não de rejeição pura da medida. ou que se limitem a dizer que um corte de salários nos 600 euros é demasiado penalizador, sendo só possível de aplicar num salário acima disso. em qualquer dos casos, o governo conseguiria obter alguma receita, precisando de menos medidas para compensar o chumbo.

“aí é mais fácil um plano alternativo”, diz um ministro ao sol, crente que isso será suficiente para que o país termine o resgate actual no tempo previsto – junho de 2014.

para já, ficaram reservadas umas centenas de milhões na dotação provisional do orçamento. se não chegar, há quem admita recuperar ideias vetadas no conselho de ministros deste orçamento, como uma taxa sobre as viagens turísticas (ver página 6). ou até recorrer a armas de último recurso, como o aumento de um ponto na taxa de iva. no cenário ideal, dizia uma fonte ao sol esta semana, a própria troika pode até flexibilizar a meta no início do ano, dando a margem necessária para cumprir os objectivos.

claro que o pior cenário não está ainda excluído, o tal chumbo liminar destas medidas. “é tudo muito subjectivo, não dá para fazer previsões”, desabafa um ministro do psd. “fizemos o possível, agora é esperar”, acrescenta um outro, do cds”, que vê mais problemas na cga do que no corte de salários no estado. o segundo resgate continua na sombra. até abril se saberá tudo.

david.dinis@sol.pt