Idosos têm aulas de segurança pessoal para se ‘defenderem’ também da solidão

Chegam por preocupações de segurança e interessados em melhorar a confiança e auto-estima. A idade retirou-lhes a agilidade física, mas não o entusiasmo para os gritos e “golpes” de karaté com que se “defendem” também da solidão.

“estamos a perder mobilidade, flexibilidade e outros reflexos e convém aprender algumas técnicas de defesa. põe-nos alerta para o dia-a-dia que cada vez se torna mais perigoso para nós, que temos alguma dificuldade na locomoção”, disse a agência lusa maria antónia, 64 anos.

maria antónia é um dos 1.300 idosos que participam no projecto “clube do movimento”, promovido pela câmara de odivelas, que além da ginástica, caminhada e natação decidiu este ano introduzir karaté para seniores, depois de no ano passado terem arrancado com as aulas de defesa pessoal.

“chegam por preocupações com a própria saúde e com o isolamento. é uma população muito sozinha e o facto de se disporem a fazer actividade física é considerável”, disse à lusa o mestre joão cardiga, que uma vez por mês dinamiza estas aulas em todas as freguesias do concelho de odivelas.

fundador da associação nacional de artes marciais (anam) e 6º dan (seis faixas pretas) da anam, joão cardiga explicou à lusa que a principal mensagem destas aulas é de apoio e cuidado mútuo, mas não faltam os habituais alertas de segurança.

“alertamos para os cuidados a ter, a noção de distância, não deixarem que pessoas desconhecidas se cheguem muito ao pé deles e arranjarem estratégias para que se afastem. são situações ensinadas aqui no sentido de se protegerem e terem mais autoconfiança”, acrescentou.

as técnicas de defesa física são o que menos importa, uma vez que, segundo joão cardiga, os alunos “têm bem a noção das suas capacidades” e a “mensagem é nunca agir”.

ainda assim, carlos ligeiro, 63 anos, outro aluno de joão cardiga, admite que a autoconfiança pode levar a reacções mais afoites.

“a defesa pessoal é importante nos dias que correm. é bom saber um bocadinho para nos defendermos de qualquer eventualidade”, disse.

confiante de que, em caso de perigo, estará preparado para reagir da melhor maneira, carlos ligeiro receia deixar-se levar pelo excesso de confiança.

“sinto-me preparado para reagir, mas depende do perigo e como sou um bocadinho intempestivo às vezes tenho medo”, admitiu.

os cursos de defesa pessoal dirigidos à população mais idosa popularizaram-se nos últimos tempos, com muitas destas actividades a serem promovidas pelas autarquias, mas também com oferta privada.

para maria joão quintela, vice-presidente da sociedade portuguesa de geriatria e gerontologia, neste domínio, a questão da segurança começa logo na escolha da actividade a frequentar.

“é fundamental que esses cursos estejam integrados num conjunto de entidades credíveis nas quais possam confiar, porque quando há inscrição num curso há fornecimento de dados”, alerta maria joão quintela.

para esta especialista, os cursos de autodefesa devem ser organizados de forma abrangente, capacitando as pessoas para melhor lidarem com as agressões, mas devem também incluir “consciencialização sobre as capacidades próprias” dos alunos.

“não é a mesma coisa um atleta que toda a vida mobilizou a sua capacidade física, que tem uma boa coordenação motora e um bom equilíbrio e pode avançar para um nível de auto defensivo directo, que outra pessoa que está fragilizada porque tem artroses, diminuição da massa muscular ou está fragilizada psicologicamente ou por uma doença do foro cognitivo”, considerou.

para maria joão quintela, estes cursos “são importantes como indutores de atitudes preventivas e consciencialização dos perigos”, mas também como fontes de informação sobre as instituições a que os idosos podem recorrer.

a especialista destaca também as vantagens da actividade física associada a estas acções e os benefícios para a auto-estima.

a polícia de segurança pública (psp) sublinha igualmente os pontos positivos destas aulas.

“a psp vê sempre com bons olhos este tipo de iniciativas que visam promover o bem-estar físico e psicológico dado que podem conferir aos idosos alguma confiança e incrementar o sentimento de segurança neste tipo de população”, disse à agência lusa a subcomissário sónia pestana.

sónia pestana destaca também que estas acções ajudam a diminuir o “hiato temporal de solidão” dos idosos, os mantém activos e promove a saúde física.

a psp lembra os conselhos habituais: nunca reagir em caso de assalto, não andar sozinho à noite, não sair à rua com bens de valor e não dar informações a estranhos. alerta também que a aplicação incorrecta de técnicas de autodefesa pode expor os idosos a perigos maiores.

a psp têm dois programas de prevenção e apoio a idosos (o apoio 65 – idosos em segurança e a solidariedade não tem idade – psp com os idosos) e, no âmbito das suas acções, identificou até agosto 3.557 idosos, 998 dos quais em situação de risco.

no primeiro semestre de 2013 foram participados à psp 8.176 crimes sobre pessoas com 65 ou mais anos de idade.

lusa/sol