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12 anos escravo
de steve mcqueen,
com chiwetel ejiofor, michael k. williams, michael fassbender
as nomeações para os óscares ainda não são conhecidas, mas muito antes de chegar a portugal já se sabia que o terceiro filme de steve mcqueen é um dos favoritos às estatuetas. para já, conta com sete nomeações para os globos de ouro, entre elas nas categorias de melhor filme, melhor realizador e melhores actores. se vai triunfar nas galas mais importantes de hollywood só o tempo o dirá, mas agora que a longa-metragem chega a portugal podemos confirmar que 12 anos escravo faz jus aos elogios que tem acumulado da crítica internacional.
inspirado na história verídica de solomon northup (interpretado por chiwetel ejiofor) – um negro livre, oriundo de nova iorque, que foi enganado e aprisionado, sendo vendido como escravo e sujeito às mais duras provações ao longo de mais de uma década – 12 anos escravo é um filme intenso, equilibrando na perfeição o modo ‘cerebral’ de fazer cinema de mcqueen com um lado emocional forte, inevitável na história da escravatura negra nos estados unidos.
com fome (2008) e vergonha (2011), steve mcqueen já nos tinha mostrado que é perito a trabalhar na área do desconforto. na primeira longa explorou a abnegação de um homem que fazia do seu corpo um campo de batalha sacrificial. na segunda contou a história de um homem doente, prisioneiro de um vício e das rotinas sexuais. 12 anos escravo é menos visceral, mas igualmente incómodo. são as excelentes interpretações de ejiofor e michael fassbender (na pele de um duro proprietário de uma plantação de algodão) e, sobretudo, o olhar distante e frio do realizador, sem tomadas de posição ou manipulações emocionais, que deixam o espectador a sentir-se mal com a crueza que vê no grande ecrã. mas é pena que mcqueen, um artista plástico britânico, tenha colocado de parte o lado mais experimental.
a forma livre da câmara se movimentar nos dois filmes precedentes praticamente desaparece e isso enfraquece a linguagem cinematográfica que mcqueen parecia estar a construir. o seu olhar singular continua lá, é certo, mas a habilidade em envolver e encantar visualmente o espectador não tem o impacto e a magnitude que se expectava. ainda assim, 12 anos escravo é um bom filme.
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a espuma dos dias
de michel gondry,
com romain duris, audrey tautou, gad elmaleh
transportar para o cinema o universo de boris vian não podia ser canja, por muito cinematográfica que «essa escrita de tão forte sentido visual, que lembra um guião de cinema» seja. foi isso, por curiosidade, que o tradutor da edição portuguesa, aníbal fernandes, destacou em primeiro lugar na nota introdutória de a espuma dos dias.
o romance do escritor e músico francês foi aqui alvo de uma versão com algumas adaptações, mas dir-se-ia que o espírito surrealista se manteve. colin (romain duris) é um homem abastado, que se entretém com a sua invenção, o pianocktail (como o nome aponta, um piano que faz bebidas alcoólicas consoante as notas tocadas) e com os pratos do cozinheiro, nicolas (omar sy). até que o seu amigo chick (gad elmaleh), um engenheiro pobre e obcecado com o filósofo jean-sol partre (referência óbvia ao amigo de vian, sartre) inicia uma relação com a sobrinha de nicolas. colin sente então «necessidade de se apaixonar». e numa festa conhece chloé (audrey tautou), que tem o nome de uma canção popularizada por duke ellington, ‘chloé, a canção dos pântanos’).
desta história «inteiramente verdadeira», já que o autor, então com 26 anos, a imaginou «de uma ponta à outra», há o romance, certo, mas sobretudo a luta contra um nenúfar que cresce nos pulmões de chloé. e com a doença vem a falência e a necessidade de colin trabalhar – «não são as pessoas que mudam, são as coisas», diz a certa altura. se o período de felicidade é uma ode ao nonsense em ritmo de jazz, um desfilar colorido de efeitos especiais não digitais – em jeito de homenagem à ficção científica de que vian era fã – o resto do filme é um caminhar para a sobriedade que termina em preto e branco.
gondry, que alcançou fama na realização para publicidade e nos vídeos musicais, ou seja, em histórias curtas e com pouca espessura dramática, perde o pé na viragem do enredo e não consegue que o espectador se identifique em pleno com o anti-herói nem com a plana chloé. feita a advertência, não é de crer que o leitor acabe como o próprio boris vian – que morreu numa sala de cinema, com um ataque cardíaco.