Portugal e as fábricas de chocolate

Marcas como a Arcádia ou a Avianense jogam com o sentido do palato, mas também com o imaginário colectivo português. No ranking das fábricas de chocolate, a Imperial é rainha, com mais de 4200 toneladas produzidas por ano. Já a Equador alia misturas exóticas a histórias de encantar para cativar os seus clientes.

Da Rua do Almada, no Porto, saem diariamente cerca de 60 mil bombons, que são distribuídos pelas 20 lojas da Arcádia espalhadas pelo país. João Bastos, da 3.ª geração de proprietários desta empresa familiar com 80 anos de existência, sabe que, por detrás destes chocolates, há por vezes bonitas histórias de amor. “Não tão raramente quanto isso ouvimos antigos clientes dizerem que conquistaram as suas esposas com a ajuda dos nossos bombons. Há 80, 70 ou 50 anos não havia a mobilidade que há hoje. Quando alguém de Lisboa, por exemplo, tinha de vir trabalhar para o Porto, levava de presente os nossos bombons e as nossas amêndoas. Sentimos muito esse carinho, principalmente quando começámos a abrir lojas noutros pontos do país”.

A forte vertente humana que se vive diariamente na fábrica da Arcádia é um dos segredos do sucesso da marca, a par de uma constante vontade de fazer sempre melhor. Por isso, os apreciadores da Arcádia vão passando de geração em geração. Os turistas – “nomeadamente espanhóis e brasileiros, que identificam os nossos chocolates como sendo de luxo” – também aderem.

Com 70 tipos de bombons diferentes, o sortido tradicional da Arcádia Casa do Chocolate mantém as formas e os sabores originais desde 1933. Mas a inovação não está esquecida, e traduz-se, por exemplo, na parceria com a Cálem Vinho do Porto para a criação de um bombom de chocolate com vinho do Porto. O casamento revelou-se um verdadeiro sucesso: “Vendemos cerca de 250 mil bombons de vinho do Porto num ano”, revela o proprietário. Outra receita inovadora é a dos bombons Clerigus. “Trata-se de uma parceria que desenvolvemos com o chef Hélio Loureiro, que teve como objectivo homenagear os 250 anos da Torre dos Clérigos”. O bombom, que inclui gengibre e canela, já foi elogiado por Marcelo Rebelo de Sousa no seu comentário semanal e pelo cronista Miguel Esteves Cardoso.

O próximo projecto da marca, com abertura prevista para Março, é um espaço nas instalações da Rua do Almada para dar a conhecer a história da casa, desvendar o processo de fabricação e realizar workshops de degustação.

Histórias para trincar

A história da Equador começa em 2008, quando Teresa Almeida e Celestino Fonseca, ambos com formação artística, decidiram criar a marca. “O chocolate surgiu quase por acidente”, começa por explicar Teresa. “Queríamos criar uma marca e trabalhá-la. O chocolate surgiu porque ambos gostamos deste produto. Em Portugal ainda não existia nada no campo do chocolate artesanal e tudo o que havia descurava a comunicação com o cliente”.

Os sabores, que vão dos mais clássicos aos mais exóticos – como caril, pimenta rosa, gengibre, chilli ou goji – resultam de matérias-primas oriunda das mais diferentes proveniências: de Madagáscar ao Equador, passando pelo Brasil, Cuba e Venezuela. Muitos clientes vêm à procura das misturas afrodisíacas. “Ainda existe muito a ideia do romantismo associado à oferta de chocolates, mas também há muita gente que vem cá comprar para consumo próprio”.

Com duas lojas no Porto, uma em Vila Nova de Gaia e outra em Lisboa, os ambientes recriados nas Chocolataria Equador confirmam o cariz criativo da marca. A inspiração para os espaços são os armazéns de cacau de São Tomé. Elementos de carácter industrial combinam com mobiliário original da década de 50 e objectos de design contemporâneo.

A Chocolataria Equador tem bem presente que os olhos e a memória também comem. Acima de tudo, pretende-se “explorar a parte criativa, em termos de história e ilustração. É o que dá coerência ao projecto”, confessa Teresa. Assim, ao chocolate juntaram-se as histórias contadas por Álvaro (o narrador), que enquadram cada novo produto (e que podem ser lidas nas lojas). O escultor Pascal Ferreira dá-lhes forma em representações tridimensionais expostas nas montras.

Nesta casa a realidade alia-se à imaginação. Um chocolate quente pode ser acompanhado de uma história, uma caixa de bombons traz um postal ilustrado, inspirado nos anos 40 e 50, e pronto a receber uma mensagem – seja ela de amor ou não.

Império de chocolate

As 4.280 toneladas de chocolate produzidas por ano, que se traduzem em 48 milhões de tabletes, 160 milhões de pintarolas e 125 milhões de amêndoas recobertas, falam por si. A Imperial é o maior fabricante nacional de chocolates.

A fábrica, situada em Azurara (Vila do Conde), produz para mais de meia centena de países, distribuídos pelos continentes europeu, africano, americano e asiático. “A Imperial nasce em 1932, apesar de a origem remontar aos anos 20, quando um francês, numa farmácia, começou a fazer chocolates com o nome Méteor”, esclarece Manuela Tavares de Sousa, CEO da Imperial. “Quatro décadas após a fundação, mais concretamente em 1973, a Imperial passa a integrar o Grupo RAR, altura em que regista um importante aumento da capacidade produtiva”.

Entre 1978 e 1982 a Imperial lançou alguns produtos que, hoje, fazem parte do imaginário de algumas gerações de portugueses. Entre eles estão as Pintarolas, Fantasias, Allegro, Pantagruel, Jubileu ou as carismáticas Bom-Bokas. “Temos percebido que o consumidor actual, mais voltado para a vertente vintage, procura produtos associados a épocas que lhe trazem recordações positivas, quase sempre relacionadas com a infância. Queremos que reviva bons momentos ao olhar para a prateleira do supermercado e ao ver algo que pertence à memória alimentar colectiva portuguesa”, continua a CEO.

Em 2000, a Imperial adquiriu a Regina. A recuperação da marca histórica teve por base uma estratégia de marketing que passou pelo lançamento de uma nova geração de produtos associado ao restyling da imagem. Mais recentemente, apostaram no relançamento dos produtos históricos. O mais recente, conta Manuela Tavares de Sousa, foi “a máquina de furos da Regina. Foi reeditada para comemorar o 85.º aniversário da marca. Trata-se de um objecto que faz parte da memória de muitos portugueses e que se tem revelado um autêntico sucesso”.

Há 100 anos a fazer chocolates

Quem não se lembra das sombrinhas de chocolate embrulhadas em papel fantasia? O que talvez já nem todos recordam é que esta popular gulodice trazia a assinatura da Avianense. A mais antiga fábrica de chocolate do país comemora este ano o seu centenário.

Mas nem tudo foram rosas neste percurso. Nascida em Viana do Castelo, a falência da sociedade Lima e Limas, que a administrava e empregava 48 pessoas, foi decretada em 2004. Luciano Costa, um empresário que fez fortuna no sector têxtil, viria a arrematar a marca, os equipamentos e a frota da empresa por cerca de 150 mil euros, retomando a produção no espaço de uma antiga fábrica de confecções, em Durrães, no concelho de Barcelos. Os números do volume de negócios com que fechou 2012 mostram que o investimento do empresário foi uma boa aposta: quase um milhão de euros.

O ex-líbris da marca é, sem dúvida, o bombom Imperador, feito com chocolate de leite e amêndoa torrada nacional. Vendido avulso ou em caixa, é o mais popular da marca e não falta nos expositores de mercearias e lojas gourmet. Os mais de 11.000 fãs na sua página do Facebook comprovam a sua popularidade. “Sempre vendemos este bombom, que é apreciado por turistas. Acham muita piada à embalagem. É também comprado por clientes assíduos, que são fiéis a este doce e que, por vezes, o comem acompanhado de um café”, revela Elisa Bessa, proprietária da emblemática confeitaria Primar, no centro do Porto.

Já a antiga fábrica de chocolates Avianense será transformada um hotel temático, com um centro interpretativo dedicado ao chocolate. A ideia tem como finalidade revitalizar o centro histórico de Viana do Castelo e preservar a memória histórica, comercial e industrial da cidade.

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