‘Após as europeias podemos ter um período de meias-tintas’

O ex-ministro do Trabalho e responsável pela Economia no último governo PS, Vieira da Silva, teme uma paralisia política até às legislativas. E diz que para sair da crise, “uma maioria não chega”.

Uma vitória do PS nas europeias legitimará a exigência de legislativas antecipadas?

Julgo que corremos o risco de ter um período excessivamente longo de meias-tintas. Pode ficar tudo condicionado pela expectativa de legislativas, num momento muito difícil. Teria sido vantajosa uma redução da legislatura, a partir do momento em que a maioria viveu um período crítico, de crise interna, de que não recuperou.

O Governo não ficou melhor?

As notícias sobre a aparente saúde desta maioria são precipitadas. A aparência externa do doente será mais rosada, mas lá no fundo não está bem. O vice-primeiro-ministro disse em tempos que a ministra das Finanças não era uma escolha adequada para o cargo. Custa-me perceber como um governo funciona assim, custa-me perceber como a memória dessas declarações não compromete a coesão do Conselho de Ministros. Se calhar episódios recentes são efeitos colaterais desta ferida profunda.

Refere-se ao briefing das pensões?

É absolutamente estranho ver um vice-primeiro-ministro no Parlamento dizer que isso é um erro político, sem que haja consequências. Estamos a falar de declarações que provocaram alarme social num grupo social já muito castigado.

O que acha de um Bloco Central a três partidos, incluindo o CDS, proposto por Durão Barroso?

Não entusiasma. Mas um dos factores que limita esse tipo de compromissos é começar pelo fim, pelo resultado institucional, pela coligação. Começar a discutir o mais difícil é um erro. Antes temos de perceber que possibilidades temos de ter um entendimento sobre a recuperação económica de Portugal, sobre a gestão da dívida, sobre a participação no Euro. E temos de ter um entendimento sobre a recuperação da coesão social.

Quão preciso é esse compromisso?

A saída desta situação de crise dificilmente será conseguida jogando meio país contra o outro. Ou seja, uma maioria não chega. A solução que sair da próxima consulta popular tem de conseguir construir compromissos. E estão em causa várias soluções, que não são unicamente coligações de governo. Tenho dúvidas é que estes entendimentos possam ser feitos pela direita que nos governa.

Haverá condições para isso?

Do ponto de vista social, julgo que nunca teremos estado tão perto de conseguir esses compromissos. Goste-se ou não, o manifesto sobre a dívida pública é um sinal positivo. Há também sinais na concertação social e até uma conferência [no passado fim-de-semana] que juntou sindicatos das duas centrais e independentes. Há coisas que estão a mudar criando condições favoráveis para ultrapassar diferenças que pareciam intransponíveis. Agora, para haver entendimento político é preciso muito trabalho e não é enviando cartas de uma sede para outra sede que se conseguem.

Parece haver consenso para o aumento salário mínimo. Mas será justo que aconteça à custa de contrapartidas como a perda de salários de outros trabalhadores?

Não, de todo. Há uma altura que se tem de parar com uma sofreguidão que tem existido em alguns agentes em Portugal – que nem são necessariamente os patrões – para desequilibrar a natureza das relações sociais e laborais no nosso país. Aumenta-se o horário de trabalho, corta-se o valor das horas extraordinárias, cortam-se as indemnizações. Será que a melhoria do mercado de trabalho tem de se fazer só a desequilibrar mais a balança das relações laborais em Portugal? Não há nada do outro lado para corrigir? Por exemplo no excesso do trabalho precário? Não acredito.

Enquanto ministro, fez a última grande reforma da Segurança Social. Há necessidade de fazer uma nova reforma?

Nunca olhei para o sistema de segurança social como algo que deva permanecer cristalizado mas também não vejo as reformas como um acto salvador, um momento zen qualquer. Os sistemas têm de ser geridos de forma permanentemente reformista. Não acho que seja possível uma alteração radical e de conceito. Há sempre melhorias que podem ser introduzidas.

Que lhe parece a ideia de fazer variar as pensões com factores demográficos e económicos?

Há conceitos que são afectados pela forma. Permitir que vá para debate público a possibilidade de cortar pensões em pagamento é muito perigoso. A economia, a demografia, a evolução dos preços sempre influenciaram o valor das pensões. Vejo como positivo que a demografia influencie a forma de cálculo das pensões e a idade da reforma. Já sobre a actualização das pensões, que tem que ver com um contrato que foi feito entre o Estado e o cidadão, tem de haver limites. Já há uma lei em vigor, mas cuja aplicação foi suspensa que liga a actualização das pensões à inflação e ao crescimento económico.

Mas é uma lei que não permite a redução nominal de pensões.

Sim. Em Portugal e na generalidade dos países. Esse é um princípio que não deve ser ultrapassado, até por razões económicas. As pensões funcionam como estabilizadoras da economia, se as pomos a funcionar da mesma forma que a economia transformam-se no que os economistas chamam um instrumento pró-cíclico, aprofundam a recessão. E se é verdade que o Governo está a ponderar fazer oscilar o valor nominal das pensões, ora para cima ora para baixo, está também a esquecer-se de que já o fez através dos impostos. Já provocou reduções do valor real das pensões que chegam aos 15%. E ainda agora, com o orçamento rectificativo, o Governo operou uma nova redução de pensões.

O que faria diferente para diminuir o défice e a dívida sem pôr em perigo o Estado Social?

Acho que os resultados que se obtiveram no défice podiam ter-se obtido sem a intensidade da recessão profunda que existiu e sem a intensidade da destruição de emprego que aconteceu. E se não se tivesse ido para além da troika, e tomado todas as medidas de austeridade à cabeça, os impactos sobre o sistema de segurança social seriam claramente menores e os resultados económicos seriam melhores.

O Governo agravou a crise?

A extensão da destruição de emprego que tivemos limitou a recuperação das contas públicas e teve um efeito dramático na vida das pessoas e também no sistema de protecção social. E depois o Governo tardou muito a tomar medidas activas de apoio aos desempregados. Tudo foi muito empastelado. Um terceiro aspecto, é o da atenção dada à pobreza extrema. O Governo não entendeu o risco que estava a correr e não respondeu a esse risco e estamos hoje ainda sem saber os danos que foram provocados.

Todos os cortes feitos no sistema de Segurança Social são negativos?

Uma coisa é uma política de rigor acrescido do ponto de vista orçamental outra coisa é transformar essa política de rigor acrescido numa austeridade forçada e para além do sustentável. Por exemplo, congelar salários e pensões num determinado período de tempo pode ser necessário – não critico isso e não sou contra a convergência do sistema de pensões. Posso é discordar da forma e da intensidade como isso é feito e, nalguns casos, discordo radicalmente.

Porquê?

Desde o início do processo de ajustamento há um acumular de reduções de rendimento dos nossos pensionistas – nomeadamente pela via fiscal – que tem consequências sociais muito sérias. Quando nos preocupamos com a sustentabilidade do sistema, não é só a financeira, é também económica e social. Hoje muita gente questiona a sustentabilidade social deste tipo de políticas.

Na sustentabilidade financeira da Segurança Social, o risco demográfico é a maior ameaça?

A demografia coloca uma pressão séria a longo prazo no sistema de pensões. Mas no curto e médio prazo a sociedade portuguesa tem meios de resolver essa questão. Há almofadas de resposta – porque há muitos activos fora do mercado de trabalho. Basta a economia portuguesa conseguir recuperar apenas uma parte dessas pessoas para diminuir a pressão demográfica.

manuel.a.magalhaes@sol.pt