Celina da Piedade tem o currículo mais preenchido dos três – já lá vão participações em mais de 40 discos, de Rodrigo Leão a Mayra Andrade, de António Chainho aos Gaiteiros de Lisboa. Em O Cante das Ervas a acordeonista renova o seu compromisso para com a música tradicional do Sul do país, na perspectiva de que o reconhecimento entre os pares chegue, por fim, ao grande público.
Carolina
O que é um timbre antigo? Seja o que for, colaram esse rótulo a Carolina e a própria di-lo já com naturalidade, ao que acrescenta “ser serena a cantar”. Poderá até ter o dito timbre, mas não deixa de ser curioso para alguém com 30 anos.
Lina Rodrigues – Carolina, o nome artístico, é o que a mãe gostaria de ter registado, mas cumprindo-se a tradição, a cantora herdou o da madrinha – apresenta-se desde esta semana com o disco de estreia. Carolina, assim se chama a gravação, é um cartão-de-visita de luxo.
As canções do repertório tradicional – compare-se ‘Um fado nasce’ com a versão de Amália, ou o ‘Fado transmontano’ de Ary dos Santos pela voz de Carlos do Carmo – foram sujeitas a uma “abordagem diferente ao fado”, como diz a própria. E incluem a utilização de outros instrumentos, da gaita-de-foles às percussões, da flauta ao trompete, sem que se ponha em causa a sua matriz. Carolina conta ainda com poemas originais de Fernando Pinto do Amaral em ‘Balada dos desejos impossíveis’ e ‘Dança’ (com músicas de António Zambujo e Ricardo Cruz, o produtor), de António Laranjeira em ‘Poesia dos dias’ e Flávio Gil em ‘Semente viva’, musicado por Mário Pacheco.
Este guitarrista, compositor e proprietário do Clube de Fado teve há sete anos um papel importante ao integrar Carolina na equipa. A cantora cumpria o sonho ao viver o ambiente de uma casa de fados como em Amália no Café Luso (um dos discos que a marcou) e que tinha experimentado aos 17 anos, num bar do Porto, o Pop. A reacção às três únicas músicas que sabia cantar foram tão positivas que percebeu que “o caminho era este”.
Um caminho que se iniciou na aldeia transmontana de Aveleda, para onde foi viver com cinco meses, quando os pais regressaram da Alemanha. “O meu pai cantarolava fados, cantávamos juntos, tínhamos essa cumplicidade”. O trilho prosseguiu no Porto, para onde foi viver aos dez anos. Estudou canto lírico no Conservatório desde os 15, começou a cantar no Pop e estreou-se em palco no musical Amália, de Filipe La Féria. Que é o responsável pela viagem para o “centro do fado”, ao convidá-la para fazer o papel de Beatriz Costa em A Canção de Lisboa.
Influenciada pela experiência dos musicais, prepara um “espectáculo encenado” no lugar dos tradicionais concertos.
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Bruno Pernadas
Desde o momento em que terminou as canções de How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge?, Bruno Pernadas demorou dois anos a gravar este seu disco de estreia. A demora deveu-se a questões orçamentais e à incapacidade de conseguir contratar a tempo inteiro um engenheiro de som para concluir o trabalho num período ideal de “duas semanas”. Fê-lo, antes, à custa da generosidade de amigos que, à medida do tempo livre, se disponibilizavam para o ajudar em estúdio. Mas como há sempre que ver os dois lados da moeda, às tantas, Bruno Pernadas soube “tirar proveito dessa ‘eternidade’“. “Pude experimentar muitas coisas. Se o tivesse feito em duas semanas, o disco não tinha ficado com este som”, diz.
Este som a que o músico se refere é algo inclassificável. Pernadas é um guitarrista com formação de jazz, mas com currículo em bandas como Julie & The Carjackers e Real Combo Lisbonense. Como se isso não bastasse, é ouvinte atento de world music, nomeadamente de sonoridades que chegam do Mali, da Etiópia e da Tailândia, e o disco não esconde as vistas largas do progenitor. Há por aqui um espectro sonoro extremamente alargado, com um sem número de linguagens e géneros musicais: jazz, afro beat, pop, folk, electrónicas, rock psicadélico e vários exotismos asiáticos. Mas em vez do possível caos que isto podia gerar, o que temos é um registo em que harmonia é palavra de ordem.
Pernadas iniciou-se na música aos 13 anos, ao decidir estudar guitarra clássica seguindo o exemplo de pessoas mais velhas que o rodeavam. Aos 22, quando entrou para o Hot Clube, acrescentou o piano à formação. Na fase académica continuou os estudos na Escola Superior de Música de Lisboa, licenciando-se em jazz. É, pois, com desprendimento que diz que este universo rico e detalhado, com pormenores que levam os ouvintes numa alucinante viagem ao mundo, “não é complicado de se fazer”. “É simples mas tem muitas coisas, muitos elementos. Complicado é a Sagração da Primavera”.
No futuro Pernadas gostava de gravar um disco mais próximo do jazz. “O ambiente deste disco não é o meu universo musical. No futuro quero fazer outras coisas, quem sabe até música erudita”. Ouvindo How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge? é fácil acreditar que sim.
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Celina da Piedade
Música e ervas para os sentidos é a proposta da acordeonista que, uma vez mais, busca inspiração no Sul.
Quando eram estudantes, Celina e Carla brincavam com a ideia de terem um salão de chá. A vida deu as suas voltas, a amizade manteve-se e Carla Cavaco acabou por, de certa maneira, prosseguir o sonho ao criar uma produção biológica de ervas aromáticas, o Jardim da Boa Palavra. O Cante das Ervas, o segundo registo a solo de Celina da Piedade, surge após convite da amiga: o resultado é uma caixa com um disco e dois pacotes de chá. Como é um objecto alimentar e cultural em simultâneo, está à venda quer em lojas de música, quer nas de produtos biológicos e gourmet. São seis temas, cinco deles tradicionais do Baixo Alentejo: ‘Manjerico’, ‘Roseira Enxertada’, ‘O Cante das Ervas’, ‘Erva-Cidreira’ e ‘Macela’, arranjadas, tocadas e cantadas pela própria. E com a participação de músicos que, apesar de tocarem instrumentos tradicionais (tamboril, adufe, viola campaniça…) vestem este repertório com umas roupagens actualizadas.
A sexta faixa do disco, ‘Boa Palavra’, é da autoria de Celina e de Alex Gaspar, o marido da acordeonista, que teve um papel preponderante no percurso de Celina em nome próprio. Após ter saído do grupo folk Uxu Kalhus, em 2009 – que fundara, em 2000, com Paulo Pereira – a habitual colaboradora de Rodrigo Leão preparou-se para outros voos e encontrou em Alex um homem dos sete ofícios. “Senti necessidade de fazer as minhas músicas e arranjos e o meu marido começou a puxar por mim. Não era músico. Perguntou-me do que precisava na banda, respondi ‘um baixo’ e foi aprender. É ele quem leva as coisas para a frente, trata da produção e da publicidade”.
O Cante das Ervas vem reforçar o apego de Celina às tradições do Sul. Setubalense, filha de alentejana e de algarvio, estudou Património Cultural em Évora e tem Castro Verde como terra adoptiva. O cante alentejano é outro dos seus interesses: dá vida todas as semanas a tertúlias sobre o tema em Palmela e em Lisboa.
Sem memória de não tocar acordeão, Celina gosta da “relação descomplicada” que tem com a música. É difícil não tocar ou cantar um dia que seja, mas se tal acontecer não se sente em privação. Tendo participado em dezenas de discos, só se estreou em nome próprio em 2012 com o duplo Em Casa. E já com ideias para o próximo disco, por agora quer degustar os cheiros e os sabores deste.
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