E deve reconhecer-se que tinha alguma razão: as mudanças de opinião são muitas vezes salutares.
Mostram que um indivíduo não é casmurro, é intelectualmente aberto e capaz de reconhecer os erros.
Muitos comunistas mudaram de opinião e abandonaram o partido quando foram conhecidos os crimes de Estaline – ou, mais tarde, aquando da invasão da Checoslováquia pelos soviéticos.
Mas, se isto é indiscutível, o contrário também é verdade: a credibilidade de uma pessoa que esteja sempre a mudar de opinião vai por água abaixo.
Mudar de opinião pode ser um bom sinal, mas convém não abusar.
Quem pode acreditar no que diz alguém que passa a vida a desdizer-se?
O facto de se reconhecer um erro não apaga o erro.
E em Portugal temos assistido a demasiadas situações dessas.
Muitos indivíduos que hoje são moderados ou mesmo conservadores criticam 'maluqueiras' do período revolucionário… de que eles próprios foram protagonistas!
E o mesmo começa a suceder na polémica sobre a austeridade, que dominou os últimos dois anos.
Hoje ouço pessoas responsáveis, até ilustres comentadores como Marques Mendes, dizerem: afinal, Vítor Gaspar tinha alguma razão e a ele se devem alguns bons resultados que o país alcançou.
Mas todos sabemos como Gaspar foi diabolizado e atacado na altura.
Há dias, Teodora Cardoso, uma veterana economista de esquerda, presidente do Conselho de Finanças Públicas, dizia que nunca duvidou da necessidade das políticas de austeridade.
O jornalista que a entrevistava ficou estupefacto, e eu também; quantas pessoas iremos ouvir dizer o mesmo depois da saída limpa anunciada esta semana?
Dir-se-á que “o que lá vai, lá vai”, e “mais vale tarde que nunca”.
O problema é que os erros de previsão dos líderes de opinião têm consequências e pagam-se muito caro.
No Verão Quente de 1975 ou neste período de austeridade algumas dessas opiniões alimentaram ódios, estimularam manifestações radicais, levaram a perseguições – e houve medidas que podiam ter sido benéficas para o país e que não foram avante pela rejeição de muitos opinadores e pela polémica que causaram.
Se, em alturas críticas, tivesse havido uma maior visão por parte de algumas pessoas com influência, as coisas teriam corrido melhor.
Entretanto, pergunta-se: como explicar que comentadores que já se enganaram tantas vezes continuem a ser tão solicitados – e continuem a ser tão convictos das opiniões que exprimem?
A sua opinião não deveria estar desvalorizada e eles próprios não deveriam ser mais cautelosos?
O problema é que muitos comentadores vão na onda, dizem o que as pessoas querem ouvir, evitam afrontar a opinião maioritária – e, assim sendo, as pessoas estão sempre prontas a escutá-los e a perdoá-los.
Um dos problemas de Portugal, como recentemente escrevi, está na qualidade das elites.
Dizer o que as pessoas querem ouvir é fácil – o difícil é não ter medo de ser impopular e ter visão para perceber quais são as necessidades do país.
Muitos comentadores deviam ver ou ler o que disseram ou escreveram há um, dois, cinco anos – e reflectir sobre os erros que cometeram.
Cavaco Silva fez bem em trazer, agora, este tema à colação, embora ele próprio, há seis meses, tenha dito que preferia um programa cautelar; mas agiu sempre nesta questão com extrema prudência sabendo os riscos enormes de qualquer passo em falso.
Às pessoas com acesso privilegiado ao espaço público exige-se: bom conhecimento dos problemas, capacidade de análise, intuição e coragem para ir contra a corrente.
Ora, há quase sempre alguma coisa que falta.
Quando conhecem bem os problemas, falta-lhes intuição; quando têm intuição, falta-lhes capacidade de análise; quando têm boa capacidade de análise, falta-lhes coragem.
Portugal precisa de intelectuais de quem se possa dizer, em questões cruciais: este tipo não foi na onda mas acertou, tinha razão.
Einstein tinha uma frase mais ou menos assim: muitas pessoas podem fazer bons raciocínios, mas é preciso um toque de génio para andar em sentido contrário.
Talvez dentro de uns anos Vítor Gaspar seja apontado como herói – como sucedeu a Ernâni Lopes, tempos depois de deixar o poder.
Mas quando estava no Governo, Ernâni nunca foi reconhecido – e Gaspar levou tanta pancada que se cansou.
Isto acontece recorrentemente com aqueles que se propõem endireitar o país.
Ora, que a rua não os compreenda, é natural.
Mas que as elites não os compreendam, e só venham a percebê-los muito mais tarde, reconhecendo que se enganaram, já custa mais a entender.
Era bom que os burros começassem a ser um bocadinho mais espertos.