Luís Capoulas Santos termina agora um ciclo de 10 anos em Bruxelas após um mandato em que foi o relator do Parlamento Europeu (PE) na reforma da Política Agrícola Comum (PAC) para o período 2014-2020, uma legislação que envolve cerca de 40% do orçamento europeu.
Num «jogo político que durou dois anos e meio», o ex-ministro negociou a legislação com cinco presidências rotativas do Conselho Europeu, sete diferentes grupos políticos do PE e o Conselho de 28 ministros da Agricultura, que foram mudando durante as conversações. Ao texto que propôs inicialmente, Capoulas Santos recebeu «oito mil sugestões de emendas, das quais cinco mil foram consideradas e resultaram em 150 compromissos».
Ou seja, ao fazer uma cedência a um deputado ou grupo político, o português garantia o apoio dos mesmos para os outros pontos a negociar. A maratona terminou com 53 trílogos – reuniões entre o relator do PE, o ministro do país que tinha então a presidência rotativa do Conselho e o comissário europeu para a agricultura.
Nas mais de mil páginas de regulamentos em que resultou o acordo final estão os resultados das alianças que Capoulas Santos conseguiu formar para derrubar algumas das propostas iniciais da Comissão Europeia. Um exemplo é a desistência da Comissão em financiar novos regadios apenas em países que aderiram à União Europeia (UE) desde 2004. No co-financiamento para o desenvolvimento rural, a UE participa com 55% dos fundos apenas para os Estados que garantam os restantes 45%. Uma proposta do português, que contou com o apoio da maioria, levou a que os Estados-membros que estão sujeitos a programas de assistência financeira possam agora investir apenas 10% das verbas para poderem receber os restantes 90%.
900 milhões para Portugal
Capoulas Santos acredita que o resultado se fará sentir em Lisboa: «Entre o que Portugal deixa de investir e aquilo que vai receber a mais, estimo que enquanto relator do PE beneficiei o país em 900 milhões de euros», disse ao SOL.
Estas foram conquistas «só possíveis porque o PE tem agora poder de co-decisão», lembra o socialista, referindo o reforço de poderes que o Tratado de Lisboa, assinado durante a presidência portuguesa do Conselho Europeu em 2007, concedeu ao PE.
Se anteriormente os eurodeputados apenas davam o seu parecer às iniciativas legislativas da Comissão Europeia, sujeitando-se depois à decisão do Conselho Europeu que agrega os Governos dos 28, agora o PE é co-legislador a par do Conselho.
Na economia como na agricultura, o mandato foi marcado por reformas marcantes que terão impacto no trabalho dos governos nacionais. Exemplo disso seria o papel que o Estado português, e os seus contribuintes, teriam após o colapso do BPN caso os mecanismos de solidariedade incluídos no acordo da união bancária já então colocassem os proprietários e credores à frente dos contribuintes na missão de salvar bancos em falência.
Mas os 766 deputados (passarão a 750 no próximo mandato), na sua maioria a milhares de quilómetros dos eleitores que ali os colocaram, tomaram um sem-fim de decisões menos mediáticas que irão afectar o dia-a-dia dos europeus. São exemplos as novas regras para a venda de tabaco ou para ensaios clínicos, a protecção de dados pessoais online, o fim das taxas de roaming ou a uniformização de carregadores de telemóveis para todas as marcas.
A profecia de Delors
A quantidade de legislação que chega de Bruxelas é tal que passou a bandeira eleitoral: «Quem realmente comanda este país? 75% das nossas leis são feitas em Bruxelas», defende um dos cartazes eleitorais do eurocéptico Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês).
Marine Le Pen, representante francesa de uma extrema-direita que ameaça reforçar a presença no Parlamento Europeu (PE) após as eleições de dia 25, proclama que «80% das leis francesas não chegam da Assembleia Nacional, chegam de Bruxelas».
Mas o tema não serve apenas os eurocépticos, tendo mesmo sido criado por um dos ‘pais’ da União Europeia. Em 1988, o então presidente da Comissão Europeia Jacques Delors adivinhava no PE que «em dez anos, 80% da legislação relacionada com economia, talvez também a nível fiscal e de políticas sociais, terá origem na comunidade».
E, mesmo em tempos de crise, há quem o refira na defesa da integração europeia. Em jeito de pré-campanha, o presidente do Governo espanhol Mariano Rajoy afirmou que 70% das leis do país são feitas no Parlamento Europeu para reforçar a ideia de que a UE «não tem volta atrás e a sua importância está a crescer».
Objectivos eleitorais à parte, as pesquisas académicas também não chegam a consenso. No meio da década passada, um estudo da independente Livraria da Câmara dos Comuns, concluiu que apenas 15% das leis britânicas têm origem em Bruxelas. Mas, entre outras variáveis não contempladas, a pesquisa não agrega os regulamentos europeus directamente aplicados sem necessidade de alterar a legislação nacional.
Numa das mais recentes pesquisas, em 2012, a germânica Universidade de Hagen concluiu que as percentagens estarão entre os 15,5% no Reino Unido, 14% na Dinamarca, 10,6% na Áustria, 39,1% na Alemanha (embora aqui só se refira às leis nacionais e, tratando-se de um Estado federal, grande parte da legislação tem origem regional), entre 3 a 27% em França e entre 1% e 24% na Finlândia.
Porém, os responsáveis pela pesquisa ressalvam que «estes números dizem muito pouco sobre o impacto da política europeia», dando como exemplo o facto «das competências e procedimentos da UE variarem bastante entre áreas políticas e até dentro das áreas políticas».