Assis: ‘Não vejo razão nenhuma para comemorar fim do programa da troika’

Depois de uma vitória do PS a 25 de Maio, “corre-se o risco de surgimento de um período pantanoso”. Cavaco Silva “terá de avaliar” a vantagem de antecipar as legislativas.

O PCP e o BE não são mais apelativos que o PS para receberem voto de protesto?

Votar no PCP significa votar num partido que tem como prioridade absoluta a saída do euro. E votar no BE é querer um referendo ao Tratado Orçamental, que também teria esse efeito. Votar no PS significa um protesto face à linha dominante na Europa e no nosso país dos últimos três anos. Mas também significa um projecto de encontrar soluções para os problemas europeus e portugueses dentro do euro.

Sendo o Francisco Assis um socialista da ala mais à direita, não terá dificuldade em convencer o eleitorado à esquerda?

Não me considero um socialista da ala mais à direita. Sou um socialista, ponto final. Militante desde os 20 anos, um homem da esquerda democrática.

O PS tem como lema “Mudança”, mas Paulo Rangel acusa-o de querer um regresso ao passado. Quer?

O PS orgulha-se do seu passado, sem qualquer tipo de nostalgia nem de vergonha. Mas eu não quero um regresso ao passado, quero um impulso para o futuro. O meu projecto e o do PS passam por conciliar o rigor na gestão das finanças públicas com instrumentos que promovam o crescimento da economia, e por essa via concorram para a preservação do Estado Social.

Mas a forte composição de socráticos na lista do PS não faz pesar o passado?

Em cada eleição não temos de recuperar a virgindade política, isso é ridículo. A experiência na política conta muito. Todos temos um passado, eu até posso dizer que tive vários passados – não fui só líder parlamentar de José Sócrates, fui-o com António Guterres, e fui autarca e deputado europeu. A lista do PS tem pessoas conhecidas e com projecção, orgulho-me de contar com elas. Já grande parte da lista do PSD consiste em pessoas que o país desconhece.

Afinal José Sócrates aparece na campanha? Para dar um abraço?

Sim, vai aparecer e fazer uma intervenção. Não será só para um abraço (risos).

O PSD fez um início de campanha agressivo. Paulo Rangel consegue tira-lo do sério?

Ninguém me consegue tirar do sério e já tenho 30 anos de vida política. Não vou entrar numa campanha de questiúnculas, de truques ou de fait-divers. Temos de estar disponíveis para discutir questões programáticas. Eu tenho uma visão da Europa e do país de homem de esquerda e Paulo Rangel tem a de um homem de direita. Rangel acusou-me de não querer discutir o país e só querer discutir a Europa e não querer discutir o passado. Disse-lhe que queria discutir tudo. Agora acusa-me de não querer discutir a Europa. Continuo disponível para discutir tudo.

Rangel acusa-o de ter faltado a debates.

Não faltei a debate absolutamente nenhum! A única pessoa que até agora faltou a um debate foi Paulo Rangel. Tínhamos marcado um na Universidade Lusíada, e ele, com três ou quatro dias de antecedência, informou que não podia ir. E eu estive lá. Eu estou disponível para ir a debates e vou. O Paulo Rangel em momentos eleitorais perde a serenidade.

Em cinco anos como eurodeputado, o senhor fez 26 intervenções em plenário. Paulo Rangel fez mais de mil. Como explica esta discrepância?

O trabalho não se mede por isso. Acho que ninguém tem dúvidas de que eu tenho capacidade de intervenção. O excesso de intervenções também pode significar frenesim, banalização da intervenção. Acho até estranho que alguém faça mil e tal intervenções. Eu fiz as intervenções que entendi oportunas, não tendo as mesmas oportunidades de intervir que Rangel, que foi cabeça-de-lista.

Vai comemorar o fim do programa da troika, no dia 17?

Não vejo razão nenhuma para comemorarmos o fim do programa da troika. Pelo contrário. Estamos pior do que estávamos há três anos. O programa da troika foi aplicado de uma forma exagerada, a nossa economia está pior, a nossa sociedade está pior, o nosso país está pior.

Portugal está pior em todos os aspectos? O défice diminuiu.

À custa da destruição da economia, do emprego e de políticas essenciais para a qualificação das pessoas. No limite, num país onde estejamos todos mortos o défice não existe (risos) mas isso seria uma solução trágica.

Como é que se põe o país a crescer sem aumentar o défice?

O défice é um valor relativo em função do PIB. Em primeiro lugar, é preciso parar com a austeridade. Se a economia crescer, as coisas melhoram imediatamente. Isso implica, nomeadamente, uma política monetária um pouco mais expansionista.

O que muda no país com uma eventual vitória do PS nas europeias?

Haverá maior confiança. O PS tem uma responsabilidade enorme que é a de reintroduzir confiança na vida política portuguesa. Para isso, tem de ser um partido sério e não fazer propostas impossíveis – esse tem, aliás, sido um mérito do secretário-geral. E tem de assumir o que fez de bom e de menos bom em 40 anos de vida democrática. Um partido que percebe que a grande questão hoje é resolver o problema do desemprego e por essa via também assegurar a manutenção do Estado Social, contra a direita extremista que nos governa e o quer destruir.

Depois das europeias não será ainda mais difícil obter consensos?

Julgo que só haverá novos consensos depois das eleições legislativas. O período pós-europeias, por entrarmos já em período pré-legislativas, será já um período de maior tensão. É da vida. E não acredito que o primeiro-ministro mude de comportamento, suceda o que suceda nestas eleições.

Perspectiva um período pantanoso pós-europeias? Haveria vantagem em antecipar as legislativas?

Acho que isso é uma questão que o Presidente da República vai ter de avaliar. Corre-se o risco de surgimento de um período pantanoso na nossa vida nacional, isso é real.

O PS devia ser ouvido na escolha do próximo comissário europeu?

Este comissário vai desempenhar funções cinco anos e estamos a um ano de legislativas. Seria conveniente que o PSD e o PS se entendessem na nomeação de uma grande personalidade com força política. Portugal precisa de um comissário forte. Mas a radicalização do PSD e do CDS prejudica muito esse consenso.

António José Seguro dependeu de si para o equilíbrio do grupo parlamentar, e agora depende de si para se tornar candidato a primeiro-ministro. É irónico que tenha começado por ser adversário dele?

Não é irónico porque ele foi momentaneamente adversário mas nós somos amigos há 30 anos. Foram muito mais as vezes que estivemos juntos.

Em que áreas defende uma maior integração política? Considera-se federalista?

Não me considero um federalista e não me parece que tenhamos condições para avançar para um modelo federal. O fundamental é continuar a dar passos em concreto. Estamos numa zona monetária, isso exige coordenação económica, o que pressupõe uma maior integração política. É por esses caminhos que devemos prosseguir. A Europa fez-se com pequenos passos, seguindo uma linha de orientação.

O que Portugal deve fazer para combater a hegemonia da Alemanha?

Um discurso anti-germânico é errado. Nunca o adoptarei. Cada país tem de defender os seus interesses, a Alemanha fá-lo e Portugal deve fazê-lo, deixando de ser subserviente. Esta ideia de que ser um bom europeu é ser um pequeno alemão é uma ideia perigosa. É infelizmente o que o Dr. Paulo Rangel está a seguir.

Sem Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia Portugal estaria pior?

Faço uma apreciação negativa da acção de Durão Barroso, que acabou por pactuar com a imposição de políticas que não salvaguardaram os interesses portugueses. Mas o problema não é a pessoa de Durão Barroso. Aliás, há dez anos, como deputado, eu votei favoravelmente a primeira indigitação dele. Agora, Durão Barroso não teve força para se opor a uma crescente inter-governamentalização do espaço europeu. Há cada vez mais um directório europeu, ainda por cima unipolar com consequências negativas para o projecto europeu e com o agravamento de desigualdades entre os cidadãos da Europa.

Ficou decepcionado por Martin Schulz condicionar a sua posição na mutualização da dívida?

A interpretação que fiz das palavras de Martin Schulz é a de que há, evidentemente, um caminho a percorrer. Agora, há quem esteja disposto a lutar por esse caminho – nós, a esquerda democrática europeia -, e há quem ache que o caminho é tão difícil que nem sequer está disposto a iniciá-lo. É isto que fazem Paulo Rangel e o PSD.

O que muda na vida dos portugueses se houver uma maioria socialista na Europa?

Espero que haja uma redução drástica da austeridade que tem sido imposta a Portugal. Esta austeridade está a destruir a economia e promoveu a destruição de emprego e impede o crescimento económico. E nem sequer favorece a resolução do problema nas finanças públicas. Não é destruindo o mercado interno que atingiremos esses objectivos.

Quando pede a 'aplicação inteligente' do Tratado Orçamental, o que quer dizer?

O processo de interpretação de um tratado não é politicamente neutro. O Tratado Orçamental, ao apontar para o conceito de défice estrutural, permite vários tipos de leitura. Uma rígida, que diz que tem de ser mesmo os 0,5% nominais – e isso seria fatal para uma economia como a nossa – ou então os 0,5% estruturais que têm de ser lidos em função do ciclo económico de cada país, e significa que haverá uma margem de manobra para que possamos fazer o nosso processo de consolidação orçamental com tempo.

Qual é o maior perigo para a Europa nesta altura?

A acentuação da clivagem entre países mais ricos e países mais pobres. Se isto se agravar põe em causa o projecto europeu. Outro risco é das tensões sociais que pode conduzir a revoltas ou à afirmação de uma identidade nacional ou étnica que é um caldo de cultura que alimenta propostas xenófobas em França, Inglaterra e Holanda.

 

[Entrevista publicada na edição em papel do SOL a 2 de Maio]