Ter as barbas de molho

‘De onde nasce a moda?’, pergunta-se meia humanidade. A origem da moda é uma incógnita. Quer venha da rua ou do ateliê, tudo o que sabemos é que a moda só pode vir ou de Paris, ou de Milão ou de Nova Iorque. De Londres também dá. E pronto, está explicado, porque depois termina o…

A moda tem o seu tempo, a sua origem revolucionária, o seu conceito e a sua dose de reciclagem de glórias passadas. Também tem prazo de validade indefinido: pode expirar quando se torna demasiado mainstream ou quando surge outra melhor, sendo que há modas que se arrastam eternamente até se tornarem clássicos e passam ao estatuto de nunca correrem riscos. Mas essas são as boas!

Falemos de barbas tentando deixar a Conchita de fora.

No meu laboratório de observação, a ‘nova’ vaga de barbas hirsutas começou a aparecer por alturas daquela leva um ponto dois (uns quatro anos depois do ‘Is This It?’ dos Strokes) do rock’n’roll generalizado e mais underground em que a celebração do estilo truck driver (nunca se pode dizer ‘camionista’) era a cena mais quente que o próprio deserto do Nevada. Foi na altura em se começou a desejar que fosse sempre Verão e que nunca por nunca chegássemos aos 30. Em que os festivais de Verão começaram a ser a romaria obrigatória da malta fixe que só acampou um ano e começou a reservar quartos em hotéis para os anos seguintes e ia de carro. Foi nessa altura, precisamente, que toda a gente começou a tatuar-se muito, também, porque a contra-corrente já era ‘essencial’; era o bastião da revolta urbana. A ideia das barbas era também muito badalada junto dos neo-hippies que acreditavam piamente que o Devendra Banhart era um eremita em Nova Iorque e que apanharam o comboio: os neo-hippies que já tinham barbíssimas, só tiveram de fazer uma actualização no estilo e rapidamente ficaram a ganhar aos wannabes que só de há uns dois anos para cá é que têm barbas dignas de serem levadas a sério. Isto foi mais ou menos em 2005 ou 2006. Depois adensou-se a febre das séries, chegou o Men in Trees e o estilo lenhador veio destronar os truck drivers feios porcos e maus do rock’n’roll e introduzir o barbudo querido que o Bon Iver canta tão bem naquele álbum de 2008.

Para uma pessoa que ama, vive e respira moda, a chegada das barbas ao universo popular e quotidiano destrói imenso esta individualidade e desnorteia os que se repugnam perante o alastrar dos fenómenos.

Na moda, ‘generalização’ significa ‘desastre’.

De repente é como se estivéssemos num disaster movie sobre uma pandemia no seio de uma comunidade restrita e a única salvação fosse empenhar o que é mais sagrado, os barbudos core estão a deixar cair os pêlos uns atrás dos outros. Assiste-se à desflorestação agressiva de quilómetros quadrados de manchas florestais frondosas, saudáveis, negras e crespas que tanto tempo demoraram a gerar, quais sequóias gigantes.

Vive o seu apocalipse a imagem do homenzarrão dual que de dia veste um fato impecável e à noite entra pelo bar adentro, bate em toda a gente, bebe da garrafa, arrota e cospe para o chão e agarra na miúda só com um braço para a levar para casa e pôr uma bolinha vermelha no canto superior direito.

Será o mainstream que está a ‘matar’ a cena? Ou terá toda a gente descoberto que as barbas eram baltares? Ou será que, anos volvidos, agora já nos trintas, as barbas envelhecem? A quem é que se está a passar o testemunho? Logo agora que os implantes de pêlos faciais estavam super in (e mais acessíveis) em Nova Iorque!… Para onde caminhamos? Respostas procuram-se. Encerra-se um ciclo. Aviso importante: se ainda não tem, não deixe crescer a sua barba, porque quando for cool, já estará mais do que out.

A barba foi uma cena masculina indie. Com personalidade. Foi uma honra digna de poucos. Foi uma das formas do homem se afirmar através de uma diferença socialmente aceite e não possível a todos. É uma coisa super século XIX, só que hoje em dia. E foi aceite porque é um clássico. RIP Barba – 2005-2014.

joanabarrios.com