Como surgiu este romance?
Fui assaltado por uma imagem que se recusou ir embora: uma mulher idosa, de socas, a percorrer um carreiro a caminho de um limoeiro. Parecia simples. Mas como teimava em surgir decidi escrevê-la. Quando o fiz, intuí que era o começo de algo. Depois, palavra a palavra, frase a frase, o mundo que a rodeava foi sendo descoberto e construído.
Divide o mundo entre Norte e Sul. Porquê?
No acto criativo gosto mais de me perder do que ter a certeza do lugar para onde vou. Mas é sempre útil ter uma bússola à mão.
É um retrato europeu? Do mundo?
É uma leitura possível, não vou recusá-la. Haverá outras. É minha convicção de que um autor deve ter uma responsabilidade não só estética mas também ética. Os escritores são esponjas do mundo. Sorvedouros da vida. No meu caso, não consigo fechar os olhos ao que se passa ao redor. Tenho necessidade de questionar também os socos e o espanto que a realidade nos dá.
O Sul pobre, o Norte rico, no meio uma guerra. O que quis explorar?
São as circunstâncias com as quais aquelas personagens são obrigadas a confrontar-se. E que exigem delas movimentos e decisões. O que decidi procurar não foi apenas o resultado de todos esses avanços e recuos de ambos os lados, mas também a indefinição de saber qual o lugar a que devemos pertencer. Colectivamente estamos a viver esse momento histórico de indefinição. Ninguém sabe para onde avança o mundo. A velocidade e a exigência dos acontecimentos são perturbadoras.
O desespero de fugir para o Norte faz o Sul perder a humanidade?
A guerra é um vazio de humanidade. É de sobrevivência que se trata.
Tudo é moeda de troca, nomeadamente o sangue. Porquê?
Há uma passagem no livro que, creio, resume bem a ideia: "Quando o mundo faz doer, somos apenas carne que soma. Animais. Gado".