Say No To Racism

Nesta segunda fase do Mundial de Futebol do Brasil, antes de os jogos começarem os altifalantes do estádio debitam uma mensagem contra o racismo e outras formas de discriminação. 

A seguir, já com as equipas alinhadas no relvado, os capitães de cada uma das selecções lêem, na sua língua natal, um pequeno texto constante de um cartão. Finalmente, os jogadores empunham uma grande faixa onde consta a frase «FIFA #Say No To Racism».

Compreende-se esta campanha organizada pela FIFA – Fédération Internationale de Football Association. Para lá dos seus objectivos altruístas, esta acção também serve para melhorar a imagem da própria FIFA, que tem estado – ela e o seu presidente, Joseph Blatter – sob o fogo de imensas críticas. Estão na moda as ‘campanhas de causas’ – a favor das minorias étnicas ou religiosas, contra a discriminação sexual, etc. – e abraçá-las compensa sempre, nos tempos que correm.

Mas julgo que esta campanha interessa mais à FIFA do que à luta contra o racismo e a xenofobia. Sempre duvidei da eficácia deste tipo de campanhas – ou dos abaixo-assinados, hoje também muito em voga.

Estou mesmo convencido de que as campanhas de cariz ideológico, como esta, podem ter um efeito contrário ao pretendido. 

Dir-se-á que esta posição resulta de nunca ter sentido na carne (ou na pele) a discriminação. Não é isso. Há muito tempo que penso assim. Há uns 30 anos, pouco depois de ter assumido a direcção do Expresso, uma entidade oficial ligada à imprensa escrita contactou-me no sentido de o semanário se associar a uma campanha em prol dos jornais, que começavam a dar sinais de quebra de leitores.

O slogan da campanha era «Ler jornais é saber mais», e o objectivo proclamado interessava-me naturalmente. Mas, não acreditando neste género de iniciativas, respondi negativamente à solicitação. 

A meu ver, as pessoas não iam ler mais ou menos jornais por causa dessa campanha. Assim, para evitarem a queda de leitores – ou, pelo menos, para a minimizarem, pois ela parecia inexorável – os jornais tinham de se reinventar, de ir ao encontro dos interesses do público, em vez de os tentarem captar através de campanhas e frases feitas.
Julgo que o Expresso foi o único jornal a não aderir a essa campanha de boas intenções – que, como era de prever, não teve efeito nenhum. A imprensa escrita continuou a perder leitores. 

Até porque as acções de propaganda que instigam as pessoas a fazer isto ou aquilo podem acabar por ter efeitos perversos. Perante o apelo para comprarem jornais, as pessoas poderão pensar: «Olha, os jornais estão aflitos, devem estar a perder vendas e por isso pedem que os compremos». E isto pode desencadear fenómenos de rejeição.
Com a campanha da FIFA contra o racismo pode suceder o mesmo. 

Quem hoje já combate o racismo não vai combatê-lo mais. Mas as organizações ou os indivíduos com propensões racistas poderão sentir-se picados e desenvolver comportamentos mais agressivos. 

O racismo tem, pelo menos, duas origens: uma ideológica, teorizada pelos seus pensadores e posta em prática por organizações de extrema-direita; e assenta muitas vezes no anti-semitismo ou no combate à imigração. A outra origem são sentimentos espontâneos gerados no interior das sociedades.

Este tipo de racismo é muito difícil de combater, pois tem a ver com a natureza humana. Todas as sociedades humanas têm tendência a discriminar (e expulsar do seu seio) os corpos estranhos. Esta ‘estranheza’ pode ter a ver com a cor da pele ou com costumes e hábitos de vida. São conhecidos os processos de rejeição de comunidades hippies que foram viver para meios rurais. Os naturais da região não os queriam obviamente lá. A maneira como se vestiam, o que comiam, o modo como se comportavam, até os seus hábitos sexuais, chocavam com os hábitos locais e, portanto, eram rejeitados. 

Também são conhecidas as reacções hostis que os ciganos provocam nos sítios ondem acampam. E os negros ou os amarelos são discriminados em sociedades onde predominam os brancos – como já se notam fenómenos de racismo de sinal contrário em lugares onde os brancos estão em minoria.

Quando eu era pequeno, havia em minha casa uma empregada que me obrigava a comer assustando-me com «uma preta» que, nas suas palavras, viria buscar-me. «Se o menino não come a papa vem aí uma preta, velha e feia, e leva-o». E eu enchia-me de medo, pois no meu bairro havia uma velhota negra que, sendo a pessoa ‘diferente’, me causava naturalmente estranheza.

E uma outra empregada que tive, já depois de casado, também transparecia muitos sentimentos racistas. De início fazia-me confusão e não percebia porquê. Não seria natural a mulher mostrar-se solidária com pessoas que, como ela, estavam na parte de baixo da escala social? Mas depois percebi: era com essas pessoas, com os desfavorecidos da sorte, que ela estava em competição – e desdenhando-os, empurrando-os para baixo, ela sentia-se um degrau acima deles. Também detestava os brasileiros, os ucranianos e os romenos, mas por outras razões: porque disputavam os empregos às pessoas como ela. 

Ora, este tipo de racismo não se erradica com campanhas. Pelo contrário, pode exacerbar-se com campanhas.
Os meus filhos sempre frequentaram as escolas do Estado, e na escola primária de Miraflores, em Algés, tinham vários colegas negros. Na sala de aula do mais novo havia 23 negros e só três brancos – ele e mais dois. E isso nunca os impediu de serem bons alunos e de tirarem cursos superiores. Pelo contrário, deu-lhes uma dimensão humana que falta a muitas crianças que frequentam colégios particulares e onde todos pertencem à mesma classe social. Aí é que se está a alimentar a discriminação e o racismo.

O racismo combate-se com atitudes e não com campanhas. Ao empregarmos um africano ou um oriental, ao tratarmos do mesmo modo um europeu, um indiano ou um chinês, estamos a lutar contra o racismo. É através do exemplo das pessoas que acreditam na igualdade dos seres humanos e não através de belos discursos ou tiradas ideológicas que o racismo se combate.

Se calhar, alguns desses ideólogos que andam a bramar contra o racismo têm os filhos em escolas privadas onde não há misturas e todos os meninos são branquinhos e da mesma classe social.
Vivemos um tempo em que a ideologia nos enche as cabeças (e não está em consonância, muitas vezes, com as atitudes que tomamos na vida).

A frase «Say No To Racism» deve estar dentro de nós. Gritá-la aos quatro ventos pode ser muito bonito para inglês ver, pode dar muito jeito à FIFA, mas não serve de nada. Às vezes, serve para ter o efeito contrário. 

jas@sol.pt