Ao contrário de muitos que ainda continuam com dúvidas sobre o futuro, Beatriz está confiante. “Nunca tive uma ambição óbvia”, confessa a estudante de 18 anos que estudou numa escola pública de Cascais, acrescentando que entre os colegas “é normal não saber o que se vai fazer”. Por isso, na hora de escolher o curso, opta-se por um mais abrangente, com mais saídas profissionais e taxas de desemprego menores. Foi também o que fez: entre as engenharias, escolheu Electrotécnica, que tem mais emprego.
Angústia na hora de escolher
Luís Gonçalves, 17 anos, que também não teve um percurso linear, acredita que hoje em dia são poucos os que têm muitas certezas. “Há sempre tantas mudanças”, comenta, considerando que escolher uma área no 9.º ano é prematuro e condiciona muito as opções. O seu caso é exemplo disso: “Fiz o secundário em Artes, é o que gosto, mas a meio do 10.º ano percebi que não queria Arquitectura ou Design. Depois de uns testes psicotécnicos aprofundados, percebi que gostava de estar mais em contacto com as pessoas, a gerir, a negociar”. A solução final será Gestão, pois permitirá conciliar as duas coisas, acredita. “Quero ter noções de gestão e organização para depois montar ou gerir algum negócio na área das artes”. A decisão não foi de última hora, garante, e obedeceu mais à vocação do que à perspectiva de emprego ou de obter um bom salário. A média do secundário é de 17,3 valores, pelo que as notas dos exames servirão agora para desempatar a escolha entre a Universidade Católica e a Universidade Nova.
Jorge Ascensão, da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), confirma a angústia de muitos jovens na hora de escolher o curso, mas considera que o mais decisivo acaba por ser a nota final. “Há uma grande diferença entre o curso que querem e a média que têm para entrar. Muitos ficam pela segunda opção”. Os números da primeira fase do concurso nacional de acesso do ano passado mostram isso: só 60% dos alunos entraram no curso que escolheram em primeiro lugar.
Mas mais preocupante, acrescenta ao SOL o presidente da Confap, é a redução de alunos que querem ir para o superior. Em 2012, 61% dos que fizeram exames nacionais aspiravam a entrar numa universidade, em 2013 foram 57% e este ano apenas 56%.
Há outros dados que preocupam os pais. Segundo o Infocursos, portal que o Ministério da Educação e Ciência lançou este ano para ajudar os jovens a escolherem o seu futuro, 12,2% dos que entraram em 2011 no ensino superior já não estavam lá ao fim de um ano. A ferramenta electrónica não lhes seguiu o rasto, mas a dificuldade de muitos universitários pagarem as suas despesas ajuda a explicar estes números.
Outro dado a ter em conta é o desemprego. Dos 231.267 diplomados entre 2007 e 2012 nas instituições públicas, 8% estavam em 2013 inscritos nos centros de emprego. No ensino privado, a taxa de desemprego é ainda mais elevada: 9,5%.
“Claro que o emprego também condiciona as nossas escolhas”, diz Beatriz, considerando que Engenharia Civil e Arquitectura são hoje opções que os estudantes já põem de lado. Luís tem uma opinião diferente: quem quer mesmo uma área, como Direito, não desiste, mesmo conhecendo os altos níveis de desemprego.
Joaquim Mourato, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, compreende que haja “tantos jovens sem saber o que fazer no futuro pois a escolha é muito mais difícil hoje”. “Há variáveis muito mais voláteis neste processo”, afirma ao SOL. Como os índices de empregabilidade ou a oferta de cursos, “que tem pouca estabilidade porque está sempre a ser reajustada às necessidades”.
Alberto Amaral, presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), diz que os “alunos são considerados clientes imaturos, pois nem sempre usam a informação devida para a escolha de um curso”. Além disso, acrescenta, a existência de numerus clausus “condiciona as escolhas, pelo que os alunos em muitos casos acabam por escolher um curso, não porque sintam especial vocação, mas porque as classificações só lhes permitem ingressar nesse”.
Pouca orientação vocacional
Outro apoio na escolha de um curso é a orientação vocacional. No caso de Luís, foi feita em duas fases: primeiro na sua escola (um colégio de Lisboa) e depois numa empresa que faz testes psicotécnicos aprofundados. “Foi decisiva, pois chamou-me à realidade. Percebi que as minhas aptidões eram outras”, admite.
Beatriz frequentou o ensino público e, à excepção de uma feira na escola onde as universidades foram mostrar os cursos, não teve orientação vocacional, embora tenha sempre procurado recolher informação sobre cursos e saídas.
Vítor Coelho, membro da direcção da Ordem dos Psicólogos, reconhece que nem todos os alunos fazem o percurso de orientação vocacional desejado, e muitos limitam-se aos testes psicotécnicos básicos feitos no 9.º ano. “Não há psicólogos suficientes. Se forem aplicadas as recomendações internacionais, nas escolas públicas estão a faltar 700”.
Sobre as decisões dos jovens, diz haver uma “grande percentagem de última hora e de alterações, com todos os impactos que isso tem na sua vida e nos recursos da sociedade”. Vítor Coelho considera ainda que os jovens têm cada vez mais acesso a informação dos cursos, universidades e saídas profissionais. Mas para que esta seja benéfica “é essencial que corresponda à realidade e no caso das taxas de empregabilidade disponibilizadas (no Infocursos) isso não acontece”, critica, denunciando o exemplo da Psicologia: “Em Março, havia quatro mil psicólogos inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional. Tendo em conta que há cerca de 27 mil formados em Psicologia, seria uma taxa de 16%. No portal, aparece uma taxa de 6% a 8 %.”