‘A FIFA e a UEFA não querem acabar com o racismo’

Campeão do mundo em 1998, campeão da Europa em 2000 e uma das lendas vivas do futebol francês. Lilian Thuram é o jogador mais internacional de sempre pela selecção gaulesa (142 presenças). Abandonou os relvados em 2008, quando estava ao serviço do Barcelona. Desde então, passou a dedicar-se a um jogo diferente. Através da sua…

‘A FIFA e a UEFA não querem acabar com o racismo’

Durante a sua carreira teve alguns problemas com o anterior líder da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, por este dizer que a selecção francesa tinha demasiados jogadores negros. Recentemente, Marine Le Pen ganhou as eleições europeias. A França está a ficar mais racista?

É verdade que Marine Le Pen foi a mais votada, mas tivemos umas eleições com mais de 60% de abstenção. Esse é o maior problema. Os franceses, sobretudo os mais jovens, não vão votar porque estão desiludidos com todos os políticos. Marine Le Pen ganhou apenas por causa da elevada abstenção. E é isto que temos de mudar. Temos de sensibilizar as pessoas para votarem porque só assim podem impedir vitórias como esta.

No último mês de Maio, durante um jogo da Liga espanhola, um adepto do Vilarreal atirou uma banana ao jogador do Barcelona, Daniel Alves. Como viu este caso?

Lembro-me, quando era pequeno, de atirarem bananas a um guarda-redes, o Joseph-Antoine Bell. Mas pouco mudou. Estamos em 2014 e ainda temos de ver isto acontecer num estádio de futebol. O problema começa nos árbitros. O Dani Alves estava a preparar-se para marcar um canto e tinha o árbitro assistente mesmo ao seu lado. Esse árbitro viu tudo, mas não fez nada. O árbitro principal também não. O que faz o árbitro quando há uma falta? Interrompe o jogo, claro. Aqui deveria ter feito a mesma coisa. Talvez devesse mesmo acabar com o jogo. Além disso, a Federação Espanhola multou o Vilarreal com 12 mil euros. 12 mil euros?! É uma brincadeira. Mostra que eles não querem acabar com o racismo.

Tem dito em várias entrevistas que os jogadores que não sofrem insultos racistas são os que mais podem fazer para acabar com o racismo no futebol. Acredita que uma campanha feita por Cristiano Ronaldo ou Messi teria mais impacto do que as queixas de jogadores como Mario Balotelli ou Kevin Prince Boateng?

Claro que são os jogadores não insultados os que mais podem fazer. Mas não é através de uma campanha. Imagina que o Cristiano Ronaldo, o Messi ou outro saíam do campo quando um colega ou um adversário sofresse insultos racistas. O que iria acontecer? Pois é, o jogo acabava ali mesmo e não se falaria de outra coisa. 

A FIFA e a UEFA têm muitas campanhas contra o racismo, mas são acusadas de serem muito brandas nos castigos contra a discriminação, ao invés do que acontece quando alguém viola os direitos comerciais dos patrocinadores de mundiais e europeus. Tem esta opinião?

Concordo que a FIFA e a UEFA fazem menos do que deviam. Também não querem acabar com o racismo. Mas os regulamentos dão poder ao árbitro para interromper um jogo ou acabar com esse jogo caso os jogadores sofram insultos racistas. O problema é que eles nunca o fazem. Ignoram o racismo. E o jogo continua como se nada fosse. Assim nunca vais educar os adeptos e evitar casos como o de Dani Alves. O racismo não é tratado com importância pelos árbitros e pelas federações, incluindo a FIFA e a UEFA, claro.

Em Dezembro de 2013, Kevin Prince Boateng estava ao serviço do AC Milan e abandonou um jogo particular frente ao Pro Pátria depois de sofrer insultos racistas dos adeptos adversários. Foi acompanhado por todos os colegas de equipa. Este é um exemplo da atitude que pode acabar com o racismo nos estádios de futebol? 

Foi uma atitude de grande coragem. Mas vamos imaginar que ele tinha feito isso durante um jogo da Champions ou do campeonato italiano? Se fosse assim, tudo mudava. Federações, FIFA e UEFA iriam levar o racismo no futebol muito mais a sério. O árbitro teria de acabar ali com o jogo. No dia em que um jogador faça isso, e seja apoiado pela sua equipa, será um passo muito importante na luta contra o racismo. Muita coisa vai mudar a partir daí.

O que é a Fundação Lilian Thuram – Educação contra o Racismo?

Trabalhamos directamente na parte da educação porque uma pessoa não nasce racista, torna-se racista. São os preconceitos sociais e históricos que condicionam a nossa forma de pensar e agir. Através da nossa fundação, procuramos trabalhar, acima de tudo, com as crianças, junto de escolas. É através da educação que podemos diminuir o racismo na sociedade.

Trabalham com a FIFA e a UEFA? 

Não. Creio que eles já têm outros parceiros para trabalhar na luta contra o racismo. Preferimos trabalhar com crianças e jovens. Só através da educação dos mais novos é que podemos acabar com o racismo no futuro. O preconceito está na sociedade onde essas crianças nascem. Nós tentamos passar uma mensagem de igualdade, sem preconceitos raciais.

Cristiano Ronaldo, Messi ou Ribéry. Qual destes é para si o melhor do mundo?

Ronaldo, claro. Temos de ver a relação entre os jogos feitos, os minutos jogados, e a performance em cada jogo, como os golos marcados e as assistências. Nesse aspecto, na época passada Ronaldo foi, de longe, o melhor. Merece a Bola de Ouro.

Quem poderá ser, na sua opinião, o próximo grande nome do futebol francês?

O Pogba. É parecido com o Patrick Vieira [antigo colega de Thuram na selecção francesa], mas mais ofensivo. É um jogador incrível e ainda é muito jovem [21 anos]. E o Varane. Para mim, já é o melhor defesa do mundo.

O que pensa da actual selecção portuguesa, em comparação com as que defrontou – e venceu – no Euro-2000 e no Mundial de 2006?

Portugal era sempre um adversário muito difícil, com jogadores fantásticos. Tivemos grandes jogos contra vocês. Agora é uma selecção diferente, mas também muito equilibrada. E tem Ronaldo. Posso dizer que era mais fácil marcá-lo em 2006 do que agora [risos]. Mas sabias que também sou português?

Não sabia, não…

Mas sou, sim [risos]. Digo isto porque comecei a jogar futebol num clube dos arredores de Paris, o Les Portugais de Fontainebleau, que foi fundado por imigrantes portugueses.