Resgate à margem de Bento

Vítor Bento foi o último a saber da intervenção no BES, no fim-de-semana passado. A decisão de resgatar o banco não partiu de uma solicitação do gestor, que apenas foi informado dessa opção na sexta-feira à noite, depois de comunicar ao Banco de Portugal (BdP) que não seria possível assegurar um aumento de capital com…

Resgate à margem de Bento

A manhã de 1 de Agosto, o dia em que os acontecimentos se precipitaram, estava a ser de ressaca da apresentação dos prejuízos históricos. A equipa de gestão continuava a trabalhar num plano de recapitalização que permitisse a entrada de investidores privados no banco. Subitamente, a partir da hora de almoço, tudo mudou.

As acções do banco colapsaram na bolsa e a CMVM suspendeu a negociação, à espera de “informação relevante”. Ninguém no BES sabia do que se tratava.

À hora de almoço, por videconferência com o Conselho de Governadores do BCE, Carlos Costa é informado de que o BES iria deixar de ter acesso a financiamento do banco central por não cumprir os rácios mínimos de capital. “Têm de resolver o problema”, foi o aviso deixado por Mario Draghi. O governador do BdP sabia as consequências. Começa de imediato a fazer contactos com o Governo para activar a solução de último recurso: a linha da troika.

O BES já estava sem acesso ao mercado interbancário e o incumprimento apareceu com mais nitidez no horizonte. Se nada fosse feito, o que ficaria por pagar: juros de depositantes, empréstimos de outros bancos, salários? Qualquer opção seria catastrófica. O plano B, de recapitalização com fundos públicos, teria de ser accionado.

Carlos Costa ainda pergunta a Vítor Bento se tem accionistas privados. A resposta é negativa e o governador informa-o, já à noite, de que iria avançar para um resgate com fundos públicos: a solução privada para a crise do BES tinha acabado definitivamente. 

Governo preparou legislação

O terreno já tinha sido preparado para esta eventualidade. Quem conhece o método de actuação do BdP sabe que tudo se baseia em cenários, com maior ou menos probabilidade de concretização. Ontem, no Parlamento, Carlos Costa assumiu que o cenário de resolução do BES “nunca esteve excluído” e que teve “contactos frequentes e intensos” com o Ministério das Finanças.

O Governo, de resto, esteve de prevenção. Na quinta-feira, o Conselho de Ministros (CM) aprovou um diploma que permitiu fazer o resgate nos moldes em que foi feito: a protecção dos depósitos de accionistas com menos de 2% através de uma mudança no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. A medida não constava do comunicado.

A ministra das Finanças reconheceu na quinta-feira no Parlamento que a aprovação serviu para que o BdP tivesse soluções ao dispor para “alguma intervenção que possa vir a ser necessária”.

No domingo, o CM aprovou, por e-mail, outro diploma que permitiu avançar para a resolução do BES, definindo o regime dos bancos de transição. O ministro Poiares Maduro confirmou que a aprovação do diploma por e-mail é um procedimento permitido pelo regimento do CM, quando se aprovam matérias “previamente discutidas”. Nas entrelinhas, lê-se que o modelo escolhido para resgatar o BES já teria sido discutido em CM.

Quando a CMVM interrompeu as negociações em bolsa na sexta-feira, o presidente deste organismo de supervisão, Carlos Tavares, também já estava informado. Carlos Costa começou a fazer contactos depois de tomar a decisão, depois dos primeiros acertos com Maria Luís Albuquerque, o BCE e a Comissão Europeia.

Um grupo de 60 pessoas foi informado de que iria passar o fim-de-semana no Banco de Portugal a desenhar a solução. Economistas do BdP, juristas, notários e elementos do Governo reuniram-se nas instalações do regulador, numa maratona de 48 horas em que quase ninguém dormiu.

Segundo uma fonte envolvida no desenho da intervenção no BES, não havia muitas soluções disponíveis, embora os técnicos do BdP tivessem estudado todos os cenários possíveis, incluindo a nacionalização ou a falência do banco. Mas o óbvio entrava pelos olhos dentro. “Só restava a linha da troika, que teria de ser activada de acordo com orientações comunitárias, de resolução e recuperação de bancos”.

Mais do que a solução geral, as discussões e os trabalhos eram sobre pormenores. O que fica no banco bom e no banco mau? Que legislação é necessário alterar? Quem paga?

O Estado estava disposto a contribuir para a solução, mas não poderia ter o ónus de salvar o banco. O sistema financeiro teria de ser responsabilizado. Carlos Costa delegou os contactos com os gestores que iriam ser convidados para administradores, mas fez questão de ficar com os mais delicados: falar com os principais banqueiros. Enfrentou logo as primeiras reticências sobre a participação no resgate, como veio a comprovar-se durante a semana.

Os banqueiros propuseram que, em vez de uma contribuição extraordinária, seja feito um empréstimo ao fundo de resolução.

joao.madeira@sol.pt