Segundo o escultor, desde 2004 que a medida era facultativa, depois de um acordo informal com o então secretário de Estado dos Bens Culturais, José Amaral Lopes. “A Lei de Bases do Património Cultural surgiu em 2001 e estipulava 30 dias de aviso prévio para a expedição de bens culturais. Em 2004 a SNBA reuniu com a tutela, que concordou não fazer sentido o aviso prévio e prometeu regulamentar. A regulamentação acabou por nunca acontecer, mas os trâmites previsto na lei também nunca foram aplicados e nos últimos dez anos as obras circularam livremente”, explica José de Guimarães, que não tem dúvidas em constatar que o retomar desta exigência surge na sequência dos polémicos casos Crivelli e Miró.
O artista teve conhecimento dos novos procedimentos em Janeiro, quando ia enviar uma obra com urgência para a Alemanha e a transportadora o informou da necessidade de avisar a DGPC. “Fiquei surpreendido, até porque o Estado não avisou ninguém da mudança”, diz, classificando tudo isto de “censura prévia”.
José de Guimarães resolveu tornar agora pública a situação depois de, no início de Julho, a SNBA ter enviado uma carta ao secretário de Estado da Cultura a expor a situação e a pedir que, em termos legislativos, o facultativo se torne oficial. O gabinete de Jorge Barreto Xavier ainda não reagiu à missiva e os contactos que o SOL realizou com a SEC também ficaram por responder.
Joana Vasconcelos, actualmente um dos artistas portugueses com mais obras a circular para o estrangeiro, também lida diariamente com a situação, mas – embora admita que a burocracia “atrapalha imenso” e “obriga à execução de obras em contra-relógio” – considera importante “o Estado saber o que sai e entra no país por uma questão de defesa do património”. “Há uns tempos, uma cliente americana a quem enviei uns desenhos trouxe os prints e foi bloqueada na alfândega. Vinha com outras obras, de artistas americanos, que entraram sem problemas, mas como cá sou considerada património quiseram averiguar”.
Impacto na economia
Apesar de a artista plástica achar a situação normal, Cristina Guerra – uma das galeristas nacionais que mais trabalha com o estrangeiro – considera tudo isto insólito. “Vou ter em breve uma exposição da Filipa César e o trabalho é todo produzido na Alemanha. Vai entrar sem qualquer procedimento aduaneiro, mas depois para sair vamos ter de ir à DGPC. Isto faz algum sentido?”, questiona, enumerando outras situações mais prejudiciais que têm ocorrido na sua galeria, como o caso de um espanhol que, de passagem por Lisboa, queria levar uma peça de carro para casa. “Não podendo, não fez a compra”.
Outro caso foi o de um coleccionador luxemburguês que queria levar um quadro consigo no avião e, confrontado com a mesma situação, acabou por perguntar se tínhamos saído da União Europeia, uma vez que esta é uma medida exclusiva de Portugal. “O quadro custava 3500 euros e o transporte seria cerca de 700 euros, despesa que acresce ao valor da obra. Qualquer pessoa diz 'não levo'“, refere a galerista, frisando o impacto que a medida da DGPC também provoca na economia nacional.
A par disso, José de Guimarães considera a legislação “uma inconstitucionalidade”. “Isto contraria todas as normas internacionais. Qualquer cidadão pode exportar o fruto do seu trabalho sem pedir autorização a ninguém dentro da comunidade europeia. Nem despachos alfandegários há. É isso que prevê o Acordo de Schengen: a livre circulação de pessoas e bens”. Para fora da UE, continua, “é que há uma tramitação aduaneira, mas só demora dois dias. Se um despacho aduaneiro demora dois dias, porque precisam eles de 30?”.