Foram reorganizadas as competências dos tribunais em todo o país (tomando como base a divisão por comarcas, num total de 23, sediadas nas capitais de distrito), encerram 20 tribunais e 27 surgem transformados em secções de proximidade (apenas com secretarias a funcionar). Por isso, antes de se dirigir no futuro a algum tribunal, convém que cada cidadão se certifique previamente do tribunal do distrito onde deve dirigir-se.
O novo mapa implicou uma movimentação e recolocação de todos os juízes, procuradores da República e funcionários judiciais, bem como a transferência física de cerca de 730 mil processos – feita por funcionários com a ajuda de serviços das autarquias, do Exército, da GNR e da PSP. Até às 24h de ontem, o sistema informático deverá ter completado o registo de mais de três milhões de processos de acordo com a nova numeração e classificação.
Não há julgamentos nem diligências
À cautela e por indicações do Conselho da Magistratura e da Procuradoria-Geral da República (PGR), os juízes não marcaram julgamentos para este mês e os procuradores não agendaram diligências. Só as acções urgentes (cautelares ou com arguidos presos) estão a ser despachadas.
De resto, só a partir de hoje é que os processos podem começar a ser distribuídos pelos magistrados. Os projectos de movimentos de magistrados foram conhecidos em Junho, mas os conselhos das magistraturas tiveram de fazer acertos e corrigir erros. Assim, o movimento de juízes só foi publicado em Diário da República no dia 22 de Agosto, estando a sua posse marcada para hoje. O movimento do Ministério Público só hoje é publicado e segundo a PGR as tomadas de posse dos procuradores nas comarcas só estarão completas na próxima quinta-feira.
O trabalho em contra-relógio é justificado pela PGR pela “complexidade” da operação em causa, devido ao “grande número de magistrados” movimentados, à “necessidade de preenchimento de lugares não existentes até agora, a aplicação de um regime de preferências com algumas regras novas, tudo num contexto, que é conhecido, de carência de magistrados do MP”.
“A maior preocupação, para a PGR, advém da escassez de funcionários judiciais e de magistrados do MP (estes por referência ao número de juízes colocados em 1.ª instância) e também da falta de algum tipo de equipamento, designadamente informático” — salienta o gabinete de Joana Marques Vidal, acrescentando que “são dificuldades que o Ministério da Justiça deu a garantia de estarem a ser atalhadas na medida e com a celeridade possível”.
‘Expectativa’ e ‘apreensão’
“Vejo este início de ano judicial com expectativa preocupada”, comenta por seu turno Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. “Foi feito um grande esforço por parte dos juízes presidentes das comarcas e do Conselho Superior da Magistratura. Mas já não haverá tranquilidade suficiente quanto aos funcionários necessários, às obras e outros aspectos logísticos que nos dizem que estarão prontos. Veremos…”, salienta, antevendo que “estes dois primeiros meses vão ser de turbulência, no sentido de readaptação”.
“A nossa posição é de grande expectativa e apreensão, sabendo que muito trabalho de preparação e de implementação foi feito, mas outro não”, corrobora Rui Cardoso, presidente do Sindicato dos magistrados do MP, apontando as obras de adaptação dos tribunais e a capacidade do sistema informático como maiores motivos de preocupação.
“A nossa posição é de expectativa, em relação a tudo: colocação de funcionários, transferência de processos (se vai dar certa…) e instalações. A expectativa é grande, mas negativa, ou seja, é a de que de facto isto corra muito mal”, diz Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. A colocação de funcionários só foi conhecida há duas semanas, tendo havido 300 reclamações. E há ainda muitos funcionários que ficaram adstritos à secretaria da sede da comarca, mas não sabem em que tribunal do distrito vão trabalhar.
Os atrasos em muitas obras e a falta de edifícios disponíveis para albergar alguns tribunais são uma certeza: oito secções de seis comarcas irão funcionar temporariamente em concelhos diferentes do que está previsto. Em Loures e Faro, os tribunais vão funcionar em contentores pelo menos durante um ano enquanto forem feitas obras nos palácios da Justiça, o mesmo se prevendo em Vila Real. No total, o plano de obras do Ministério da Justiça previa 102 obras, a grande maioria (74) de pequena intervenção, sendo que sensivelmente metade (46) deveria estar concluída até Agosto.
Já o sistema informático gera as maiores angústias. Sem aviso prévio aos tribunais, desde as zero horas de quarta-feira que o Citius ficou inoperacional para “intervenções técnicas imprescindíveis”, segundo o Ministério da Justiça (quando era suposto isso só acontecer no fim-de-semana). Resultado imediato: em Lisboa, por exemplo, não foram feitos julgamentos sumários (para pequenos delitos, que assim têm de seguir para inquérito normal). “Vamos passar o mês de Setembro à procura de processos”, prevê um procurador da República.
‘Cá estou para assumir responsabilidades’
Contra as críticas que lhe têm sido feitas, de teimosia em avançar com esta reorganização já a 1 de Setembro e em simultâneo em todo o país, a ministra da Justiça respondeu num artigo de opinião no Correio da Manhã, na sexta-feira passada: “Há sempre quem invoque boas razões para adiar reformas. A reforma é para o cidadão que há muito desespera. Não esperará. E eu cá estou para assumir as responsabilidades do que fiz e do que tenho de terminar”.
O que muda
1. O novo mapa tem 232 tribunais, organizados em 23 comarcas (em vez das anteriores 200), sediadas na capital de distrito. Mas Porto e Lisboa dividem-se em duas (Porto e Porto Este) e três (Lisboa, Lisboa Norte e Lisboa Oeste), respectivamente.
2. A estrutura: dentro da comarca, os tribunais dividem-se entre Instâncias Centrais (com competência para todo o distrito) e Instâncias Locais (competências ao nível concelhio). O tribunal da capital de distrito julgará os crimes mais graves (puníveis com pena superior a cinco anos) e as acções de maior valor (superiores a €50 mil) relativos a toda a sua área geográfica, tendo também secções especializadas (Trabalho, Família e Menores, etc.). Nos concelhos, haverá tribunais de competência genérica (para julgar acções de menor valor e crimes menos graves aí ocorridos), sendo que alguns terão também secções especializadas (Comércio, Trabalho, Família, Execuções, etc.) que funcionam para a área geográfica de conjuntos de municípios.
3. Cada comarca tem um órgão de gestão: um juiz presidente, um procurador coordenador e um administrador judiciário, a quem cabe a gestão da comarca. Terão de fixar anualmente objectivos aos magistrados e funcionários, bem como fazer um relatório de balanço.
4. Encerram 20 tribunais: Paredes de Coura (Viana do Castelo), Boticas, Mesão Frio, Murça e Sabrosa (Vila Real), Sever do Vouga (Aveiro), Armamar, Resende e Tabuaço (Viseu), Fornos de Algodres e Meda (Guarda), Penela (Coimbra), Bombarral (Leiria), Ferreira do Zêzere e Mação (Santarém), Cadaval (Lisboa), Sines (Setúbal), Castelo de vide (Portalegre), Portel (Évora) e Monchique (Faro).
5. São criadas 27 secções de proximidade: tribunais onde ficam apenas a funcionar as secretarias, dependentes do tribunal do concelho mais próximo, podendo aí efectuar-se julgamentos se os juízes assim o entenderem. São Nordeste, Povoação, Mértola, Alfandega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Miranda do Douro, Vimioso, Vinhais, Penamacor, Pampilhosa da Serra, Mira, Soure, Arraiolos, Sabugal, Alvaiázare, Ansião, São Vicente, Avis, Nisa, Alcanena, Golegã, Alcácer do Sal, Mondim de Basto, Castro Daire, Oliveira de Frades, Vouzela e S. João da Pesqueira.
6. O ano judicial deixa de coincidir com o ano civil: inicia-se a 1 de Setembro (e não 1 de Janeiro).