Iliteracia financeira

O colapso do banco e do grupo Espírito Santo trouxe para os meios de comunicação social uma série de palavrões técnicos, que só entende quem trabalha no sector financeiro. São as obrigações subordinadas, o banco mau, às vezes nomes em inglês, como o rácio bancário core tier 1, etc.

A natural ignorância da maioria das pessoas em matéria financeira – a chamada iliteracia financeira –  começa, aliás, por ser também económica. Há quem não perceba, por exemplo, que se diga que o país estava a viver acima dos seus recursos (o défice das contas externas andava pelos 10% do PIB em 2011). Pois se muitos portugueses viviam então com dificuldades, não gastando mais do que tinham… Só que, no seu conjunto, os portugueses (através do Estado, nomeadamente) gastavam mais do que produziam, o que era possibilitado por crédito externo fácil e barato. Mas a torneira fechou-se com a crise da Grécia. 

Vamos aprendendo à nossa custa. Recordo que, quando comentava na televisão (RTP) a economia portuguesa por volta de 1977 evitava usar a palavra 'inflação', por não estar certo de que a maioria dos telespectadores compreendesse o seu significado. Falava então em alta dos preços, que na altura era o grande problema para a maioria das famílias portuguesas. Oxalá no futuro próximo não seja preciso contornar a palavra 'deflação', queda continuada dos preços, fenómeno que poderá ser ainda mais lesivo do nosso bem-estar económico do que a já nossa conhecida inflação.

Voltando à iliteracia financeira: quantos pequenos accionistas do BES tinham consciência dos riscos que corriam quando entraram no último aumento de capital do banco, apesar de o folheto da operação alertar para que existiam riscos? Provavelmente muitos confiaram naquilo que lhes aconselhavam nos balcões do BES. Mas os bancários estão numa posição difícil: mesmo que conheçam os riscos do produto financeiro que tentam vender ao cliente, têm que obedecer ao patrão, promovendo esse produto. 

Também se registaram problemas de sentido inverso, ou seja, perdas motivadas por infundado receio provocado por deficiente informação. Assustados com as dificuldades do BES, numerosos investidores retiraram do fundo ESAF quase 750 milhões de euros só em Julho, como notou Nuno Carregueiro no Jornal de Negócios. Ora esses investimentos estavam garantidos, mesmo no caso de resgate do BES. 

Há decerto casos de ocultação da verdade pelo banco. Aconteceu com as aplicações ditas de 'retorno absoluto', que o BPP publicitava, permitindo a (errada) interpretação de que se tratava de depósitos, que estão garantidos até 100 mil euros. Só que eram outra coisa…Um caso de inércia da supervisão bancária, que permitiu a venda de gato por lebre.

A importância de aumentar a literacia financeira dos portugueses é compreendida por várias entidades públicas e privadas. O Banco de Portugal não só fez um inquérito nacional sobre esse assunto como participa, juntamente com a CMVM e o Instituto de Seguros de Portugal, num plano de formação financeira. Também a Deco, a Associação Portuguesa de Bancos e a sua congénere na área dos seguros têm vindo a tomar úteis iniciativas neste campo. 

Claro que não teria sentido tentar fazer de cada português um perito em finanças. Mas um pouco mais de literacia financeira sempre evitará alguns desgostos.