1 – Antes de tudo o próprio tema escolhido, pouco usual em banqueiros centrais usualmente preocupados com a inflação e a estabilidade financeira. Draghi falou sobre o desemprego da área do euro (AE). O próprio Draghi explica o paradoxo na abertura, num parágrafo que sumaria com eloquência a seriedade do problema:
“Ninguém pode ser indiferente a situações de elevado desemprego. Para os desempregados, é muitas vezes uma tragédia com consequências duradouras nos seus rendimentos ao longo da toda uma vida. Para os que continuam empregados, aumenta a insegurança e mina a coesão social. Para os governos, onera as finanças públicas e compromete perspectivas eleitorais. E como o desemprego está no centro da dinâmica macro-económica que condiciona a evolução da inflação, afecta também os bancos centrais. Com efeito, mesmo que não existam riscos para a estabilidade de preços, o elevado desemprego aumenta inevitavelmente a pressão para que o banco central intervenha”.
2 – Depois, reflectindo sobre a evolução da taxa de desemprego na AE e nos EUA a seguir à crise financeira de 2008 (semelhantes até 2011, mas divergentes posteriormente, quando a eclosão crise das dívidas soberanas na Europa provocou uma segunda vaga de aumento do desemprego), aponta o dedo às deficiências da construção da união monetária, especificamente à inexistência de um genuíno banco central dotado de poderes de prestamista de último recurso. Esta fragilidade teria obrigado ao frontloading da austeridade para restabelecer a credibilidade, e dando um novo impulso ao desemprego. Em contraste, a consolidação fiscal nos EUA e também no Japão pode ser mais backloaded, permitindo uma descida regular do desemprego no seguimento do pico pós-2008.
3 – O discurso público dos bancos centrais relativo a medidas para combater o desemprego é tipicamente focado nas políticas estruturais (ou supply-side). Sem as excluir, (notando, em particular, a importância de colocar a negociação salarial ao nível das empresas), Mario Draghi chama à primeira linha a necessidade de estimular a procura agregada. E aqui, ainda que considerando que a política monetária de pendor acomodatício deverá continuar e mesmo ser aprofundada, reconhece a necessidade de apoio do lado orçamental sem, contudo, pôr em causa as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Destaco o apelo que faz para uma reflexão sobre o pendor global (por oposição a país-a-país) da política orçamental na AE, o que só pode significar a coordenação da austeridade nas economias deficitárias com políticas expansionistas naquelas que registam excedentes. Nas palavras de Draghi, na actual situação os riscos de “fazer de menos” para estimular a procura ultrapassam os de se “fazer de mais”.
