Balada do café triste

Durante 36 anos e até 1915, sentado numa mesa do café Gluck, o seu quartel-general, o alfarrabista Jakob Mendel oferecia a quem o visitasse acesso a um assombroso catálogo de memória. Com a mesma entrega hipnótica com que, em pequeno, lera o Talmude, Mendel, pobre judeu ortodoxo galiciano, conhecia de cor todas as obras alguma…

Em 1900, com 19 anos, Stefan Zweig publicou pela primeira vez um poema, no conceituadíssimo suplemento Feuilleton, do diário vienense Neue Freie Presse. Em 1929, já autor consagrado, fez sair, em folhetim, no mesmo jornal, a novela Mendel dos Livros, agora editada pela Assírio & Alvim. A relação entre os dois acontecimentos pode fazer-se através da – aconselhada – leitura cruzada desta novela e do livro de memórias O Mundo de Ontem: Recordações de um Europeu, lançado em 2005 pela Assírio & Alvim e agora reeditado (527 págs., 24 euros). Nos dois registos, Zweig pressente ou confirma o fim do seu mundo: o da cultura (judaica) vienense do século XIX, notável exemplo e motor de elevação espiritual e metáfora de união não intencional, mas bem-sucedida, entre povos. Como no fim trágico de Mendel, às mãos da bárbara polícia secreta, Zweig não sobrevive a este ocaso: suicida-se, em 1942, em Petrópolis, no Brasil, com 60 anos.

“Para que vivemos se o vento atrás dos nossos sapatos apaga as nossas últimas pegadas?”, pergunta o narrador que, já nos anos 30, procura o rasto do sábio alfarrabista. Mendel dos Livros é uma parábola sobre uma forma de concentração interior devotada à vida do livro (logo, do espírito), um hino à memória da Europa “da segurança”, da paixão pelo saber e da liberdade individual. Leia esta novela como um tesouro, porque “tudo o que é único se torna, de dia para dia, mais valioso no nosso mundo que se vai tornando irremediavelmente uniforme”.

Mendel dos Livros
Stefan Zweig
Assírio & Alvim
87 págs., 7.7 euros