Acaba de publicar “O Que nos Separa dos Outros por Causa de um Copo de Whisky”, novela vencedora do Prémio Lions, uma espécie de monólogo de um homem num bar. O que quis contar?
A história de um homem que está em Macau, longe do seu país, num bar, sozinho, já com cinquenta e poucos anos, e que faz uma revisão da vida, tendo como interlocutora imaginária a barmaid. Quero sempre contar as minhas coisas. De alguma maneira passa tudo pelas relações que as pessoas têm umas com as outras, pela ideia da separação, o que significa, que cicatrizes deixa. E a solidão, como se vive com ela. É um mosaico da vida dele, com memórias da infância, do pai, da avó, do irmão…
Curiosamente tudo perdas: a mãe está demente, o pai partiu, o irmão morreu, a ex-mulher divorciou-se…
Não há ninguém que fique. É um livro sobre a separação, sobre a perda, sobre a ruptura. Que começa com a ideia de salvação, em que ele diz à sua interlocutora imaginária 'podias-me salvar, se me salvasses era melhor'. Mas a própria interlocutora, uma barmaid elegante no princípio da noite, no fim, tendo ele muitos whiskies bebidos, já tem um vestido cheio de nódoas e suor e não é assim tão simpática. Também ela o deixa mal. Mas tudo se passa na cabeça dele.
O que lhe interessou explorar nesta ideia de solidão e de perda?
Isso está em todos os livros que escrevi. Não é um processo consciente mas acabo por ir sempre parar à ideia da perda, da ruptura, da separação. E de como lidar com isso. Como é que se anda para a frente quando não se quer andar para a frente? Isso é transversal aos meus livros todos.
O narrador diz que se está sempre a escrever o mesmo romance, que se vai buscar as personagens para se lhes imputar aquilo que o próprio escritor sente, faz ou diz. Revê-se nesta afirmação?
Sim. Mesmo os grandes autores têm temas. Qual é o tema da Inês Pedrosa? As relações entre as pessoas. Qual é o tema da Lídia Jorge? A memória. Do Lobo Antunes? As famílias. Da Maria Teresa Horta? A mulher. Do Philip Roth? Ser judeu nos EUA.
E a ideia de as personagens serem veículos para transmitir o que se fez e disse?
No meu caso é mais o que me chateia, aborrece, apoquenta. As interrogações e inquietações que tenho. Escrevo para me resolver. Depois se o livro tocar alguém, óptimo. Não posso dizer que me seja indiferente. A partir do momento em que se decide publicar, há uma exposição que tem a ver com este gesto de partilha. No Contracorpo tive feedback de pessoas que tinham acabado de se separar, que tinham filhos adolescentes e que percebiam o estado de alma da personagem Maria. Eu tinha acabado o processo de adolescência do meu filho mais velho, era a minha catarse. Mas aquele adolescente não é semelhante aos meus filhos. É parecido comigo, com o que eu era. O Paul Auster diz que os escritores não são pessoas normais porque se fossem não escreviam, estavam a viver a vidinha. Isto implica muito sofrimento.
Porque se situa o livro em Macau?
Vi um anúncio para um prémio literário de uma universidade em Macau e um dos requisitos é que se teria que passar lá. Mas entretanto Macau tornou-se-me indiferente, a não ser pelo facto de eles terem um diálogo de surdos e mudos, nem ele fala mandarim nem ela fala inglês. O que me interessou foi a história dele, do irmão, da mulher e de todas aquelas desilusões que ele vai tendo, que são como pequenas traições. É apenas a vida, as pessoas morrem, separam-se, têm avós e pais e mães que não são perfeitos.
Escreve pela voz de um homem. O que lhe interessa na perspectiva masculina?
Não é mais fácil escrever como um homem mas é um exercício mais interessante em termos de escrita. Aqui a perspectiva de um homem interessava-me mais. É mais verosímil um homem ir para um bar encharcar-se em whisky do que uma mulher. Estou a generalizar e as generalizações nunca são boas. Mas seria mais fácil para um homem ir embora do que uma mulher. Ele vai-se embora fruto do desgosto da perda do irmão. Quando perdemos alguém que nos é muito próximo ficamos com a sensação de estar à deriva. Ele vai para Macau como uma fuga e como mais uma das suas parvoíces.
O último número que saiu da Egoísta, a revista de que é directora, foi em Abril. Para quando um próximo?
Foi em Abril, com o tema Revolucionar, comemorava os 40 anos do 25 de Abril. A Egoísta sai agora em Dezembro, numa edição de Natal, tendo como tema Anjos. Não há periodicidade, não há publicidade, não há comercialização, a não ser nas lojas dos casinos. Suspenderam a publicação por questões financeiras e de mercado. Mas o Mário Assis Ferreira e os outros elementos do Estoril-Sol reconhecem o valor de uma marca criada ao longo de 14 anos e com tantos prémios. Há o esforço para a manter. E também percebem que não há substituto na praça. Fatalmente, como todas as coisas, vai acabar um dia. Agora, não há temas para o próximo ano, não faço ideia se haverá um orçamento para a fazer, espero que sim. É uma das coisas que faço, profissionalmente, de que gosto muito. Mas quando há 14 anos eu e o Henrique Cayatte apresentámos este projecto à Estoril-Sol não contávamos com esta longevidade. Até aqui foi óptimo. Temos que festejar ter acontecido, ter mais de 40 prémios, sobretudo internacionais, de ter estado no Louvre, de ter tido uma equipa de colaboradores, artistas plásticos, fotógrafos, ilustradores, poetas, escritores, jornalistas, de uma generosidade imensa.
Está já a trabalhar num novo romance?
Sim, está no pé do jornalista: pesquisa, pesquisa, pesquisa. Não sairá para o ano. Talvez lá para 2016, 2017… Para o ano sairá um novo Diário do Micas, por causa dos 70 anos do final da II Guerra e, este ano, a biografia da Maria Antónia Palla, feita com ela a quatro mãos. Uma mulher importante, com uma história de vida extraordinária.