Bolas, Berlim

Acantonados entre as críticas da direita e da esquerda populistas e a oposição interna, os líderes de França e de Itália passam por tempos de provação. A realização de uma ambiciosa cimeira sobre crescimento económico e emprego, por parte da presidência rotativa do Conselho Europeu – agora nas mãos dos transalpinos -, era uma oportunidade…

Na quarta-feira, Paris e Roma apresentaram os respectivos Orçamentos do Estado. Apesar dos cortes na despesa de 21 mil milhões de euros em França e de 20 mil milhões em Itália, as metas orçamentais não serão cumpridas. A Alemanha fica mais isolada na defesa do rigor orçamental em vigor na Europa, que obriga os Estados-membros a manter os défices públicos abaixo de 3% do PIB. Com França, Itália e Espanha em estagnação – todos com desemprego acima de 10% -, as principais potências da zona euro estão a pressionar Angela Merkel para flexibilizar o prazo para aplicar o limite orçamental.

Mas a chanceler já fez notar o desagrado com o alívio de metas em Itália e França. “Não estamos no ponto em que possamos dizer que a crise está atrás de nós. Por isso é importante que todos cumpram os seus compromissos e obrigações de uma forma credível”, disse, citada pela Reuters.

Renzi e Hollande sob fogo

O debate que agita a Europa tem raízes internas: medidas de austeridade são impopulares e a popularidade dos governantes é um bem escasso em França e Itália. O apoio dos franceses ao mandato de Hollande está pelas ruas da amargura (13%) e terminou o estado de graça de Renzi. Nas últimas semanas tem estado sob fogo cerrado de sindicatos e de líderes empresariais, dos media e até da Igreja Católica que, pela voz do cardeal Bagnasco, acusou o ex-autarca de Florença de “fazer só slogans”. Falar em crescimento económico e alívio de medidas de contenção orçamental é música para o eixo franco-italiano.

O pontapé de saída para o debate foi dado há um mês por Mario Draghi, quando o presidente do Banco Central Europeu (BCE) defendeu que as regras do tratado orçamental permitem uma aplicação “flexível”. Sugeriu reduções pontuais de impostos em países em que isso tenha um efeito multiplicador – gerando mais actividade económica – e que os Estados-membros com défice e dívida pública mais baixos pudessem aumentar a despesa pública.

Os holofotes ficaram desde então focados na Alemanha: França, Itália e Espanha não estão em situação folgada para serem maus alunos em matéria orçamental. Precisam da ajuda de Merkel. “A Alemanha é sem dúvida o país com mais espaço de actuação, pois o endividamento público situa-se em torno de 76% do PIB, contrastando com cerca de 100% em Espanha, 135% em Itália e 95% em França”, explica Paula Carvalho, economista-chefe do BPI.

Paris manteve défices orçamentais acima de 5% desde o início da crise financeira, em 2008, e este ano praticamente não teve crescimento económico. Foi neste contexto que a principal associação patronal, a Medef, apresentou um plano chamado 'Um milhão de empregos' que passa pela aplicação de um programa de reformas a executar nos próximos cinco anos.

Em Itália, Renzi tinha prometido uma reforma por mês, mas ainda não conseguiu mais do que alterar as funções do Senado. A reforma eleitoral, por exemplo, foi adiada. E não dispõe de folga orçamental. “É claramente o exemplo de um país sem margem para actuação na política orçamental, dado o peso da dívida pública e dos juros da dívida, que excedem 5% do PIB”, adianta Paula Carvalho. Neste caso, há mesmo o que se designa de recessão técnica: há dois trimestres consecutivos que a actividade económica está em declínio.

Em Espanha, a 'bolha' que provocou a derrocada do mercado imobiliário e da banca dá sinais de inversão, mas de forma ainda incipiente. É o segundo país da Europa com mais desemprego, depois da Grécia. E, neste caso, a 'fadiga da austeridade' pode ser um problema. Espanha foi, entre as quatro maiores potências europeias, a que mais reduziu o défice estrutural nos últimos anos. Com eleições legislativas no final de 2015, Rajoy não deverá ser defensor de mais medidas impopulares no próximo ano. Mas também não virá daqui uma voz de oposição a Merkel. Até porque o Orçamento para 2015 aponta para um crescimento de 2% do PIB, uma descida do défice para 4,2% (6,3% em 2013) e uma descida da taxa de desemprego, a primeira desde 2011.

O debate sobre flexibilização das metas orçamentais ganhou momentum depois do apelo de Draghi. O próprio FMI tem dado indicações de que apoia esta visão – nesta semana, defendeu mais investimento público em infra-estruturas europeias.

Comissão entra em jogo

Mas o avanço ou não das propostas de flexibilização dos défices “vai depender sobretudo da atitude de Angela Merkel e da capacidade negocial no novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker”, diz ao SOL Emanuel Leão, professor do ISCTE especializado em política monetária e orçamental.

O sucessor de Barroso será uma peça determinante para conseguir alguma flexibilidade da Alemanha e alterar o rumo da Europa no campo económico. Na campanha para as eleições europeias, o luxemburguês propôs um plano de investimento público na Europa, como forma de acelerar o crescimento. Mas há sinais contraditórios: o comissário nomeado para supervisionar os orçamentos de cada país da zona euro, o francês Pierre Moscovici, ex-ministro de Hollande, terá de responder ao comissário letão Valdis Dombrovskis, que é considerado um “falcão do défice”. Uma mudança no funcionamento da Comissão que o Financial Times descreve como um sinal de obediência a Berlim.

A pressão sobre a Alemanha deve aumentar já na próxima semana, com a realização da cimeira europeia sobre emprego, em Milão. Apesar de não haver temas financeiros na agenda, é expectável que os chefes de Estado aproveitem para deixar recados à Alemanha, disse ao SOL uma fonte de Bruxelas.

Aparentemente, a Alemanha tem tudo para não ser penalizada com uma flexibilização das metas orçamentais: a economia teve um pequeno tropeção no segundo trimestre (-0,2%), mas o país tem enormes excedentes comerciais, uma taxa de desemprego em mínimos históricos, a dívida controlada e o défice é zero desde 2013. Só falta vontade.

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