1.Em primeiro lugar, note-se que não negamos (julgamos que ninguém pode negar) que o Orçamento de Estado tem pontos fracos. Desde logo, o peso da carga fiscal, completamente absurdo. Todavia, este não é um problema isolado do Orçamento do Estado: é um problema estrutural do Governo, que foi adiando sucessivamente a reforma do Estado. Resultado: chegamos ao fim do mandato – e o Estado continua com os mesmos vícios e defeitos do pré-passismo. Perdeu-se, pois, uma excelente oportunidade para reconfigurar a orgânica do Estado, seus procedimentos e os seus poderes de intervenção na vida dos cidadãos. Chegados aqui, com o presente quadro circunstancial, deparamo-nos com um problema de ausência de alternativa: pois se o Estado não mudou, se a despesa não foi reduzida com o ritmo e a amplitude que seriam desejáveis, então a velha e já cansativa solução de cobrar impostos impôs-se.
2.Estranho seria se o Governo não apresentasse um Orçamento de continuidade: tal opção significaria que nem o próprio Governo, sobretudo o Primeiro-Ministro, já não acreditaria no caminho que andou a seguir durante a quase totalidade da sua legislatura. Seria um verdadeiro e mortífero tiro no pé: o Governo auto-censuraria o seu trabalho, dando razão aos seus críticos.
3.Por outro lado, é incompreensível que os mesmos que criticam o Orçamento de Estado porque se insere numa linha de continuidade da política de austeridade do Governo – afirmem, ao mesmo tempo, que o Governo já entrou numa onda de eleitoralismo. Ora, aprendemos em Filosofia, sobretudo no domínio da Lógica, que uma coisa não ser algo e o seu contrário. A é A – A não pode ser B. Se B é B, B não pode ser A.
4.Ora, se o Orçamento de Estado é de continuidade com austeridade, então, logicamente, não poderá ser eleitoralista! Se a esquerda diz que o Orçamento de Estado é eleitoralista – então não pode dizer ao mesmo tempo que é de austeridade como os últimos três anos! Seria uma falácia! Evidentemente, é um Orçamento de continuidade – porque Portugal ainda se encontra numa situação muito precária a nível orçamental. Se Passos Coelho desse sinais de descompressão, neste momento, primeiro orçamento do pós-troika, seria dar uma imagem errada aos agentes económicos e aos credores, que mal ou bem, são quem nos dá dinheiro que permite manter o Estado!
5.Ficamos com a ideia de que a esquerda – sobretudo o PS – foi apanhada com as calças na mão. O PS estava pronto para bater no Governo e no Orçamento – de repente, saiu um Orçamento que consegue fazer um equilíbrio interessante entre a não negação do que se fez até agora e o apontar pistas para um novo ciclo. Vide a reacção de Augusto Santos Silva, na terça-feira, na TVI 24: o homem (coitadinho!) só soluçava, arrastava as palavras, interrompia o discurso…enfim, não sabia o que dizer. E até Eduardo Ferro Rodrigues, político experiente, estava desorientado – tão desorientado que cometeu um erro brutal.
6.Sobre a reacção e a estratégia do PS e de António Costa, falaremos na segunda-feira. Por hoje, importa reter que o Orçamento não sendo bom (não se pode qualificar como bom um orçamento que impõe tamanha carga fiscal), é o Orçamento que já caminha num melhor sentido. Até fiscalistas que não são, tanto quanto se sabe, do PSD, como Tiago Caiado Guerreiro, já elogiaram as medidas do Orçamento de Estado, nomeadamente a redução do IRC. Será bom para a economia, ao promover a atracção de capital estrangeiro.
7.Bom fim-de-semana a todos os leitores do SOL, aproveitem para descansar e ler o SOL edição em papel – e marcamos encontro na segunda-feira para continuarmos a discutir o Orçamento, a estratégia do PS e de Costa.
De segunda a sexta-feira João Lemos Esteves assina uma coluna de opinião no SOL