A proposta do Orçamento do Estado para 2015 (OE-2015) marca um travão na estratégia seguida nos últimos três anos. O Governo assume no documento que não vai cumprir as regras do Tratado Orçamental na redução do défice estrutural e as poucas medidas de contenção de despesa não evitam que os gastos totais aumentem.
Maria Luís Albuquerque espera que a Comissão Europeia perdoe o desvio, usando um argumento de peso: as decisões do Tribunal Constitucional (TC) criaram restrições acrescidas nos cortes da despesa.
Poucas novidades houve na despesa. Já se sabia que apenas as pensões mais altas seriam alvo da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) e a introdução de um tecto global às prestações sociais foi uma das medidas novas que resultaram da apresentação do documento. Pelas contas do Governo, as novas medidas na despesa – onde se inclui um sempre difícil corte nos consumos intermédios da máquina do Estado – as poupanças atingem 500 milhões de euros. Mas são insuficientes para impedir que a despesa total cresça 1%, sobretudo devido ao aumento da despesa com pensões.
No défice estrutural – que mede o desequilíbrio das contas públicas sem ter em conta factores extraordinários relacionados com o ciclo económico, como o aumento do desemprego –, a ministra assumiu uma derrapagem face às metas impostas. O Tratado Orçamental impõe uma redução de 0,5% do PIB ao ano e o OE-2015 faz uma correcção de apenas 0,1%.
Sobretaxa fica, impostos verdes sobem
A ministra das Finanças admitiu que há uma «margem limitada», em grande parte devido às decisões do TC, que chumbou este ano cortes de salários e pensões. «Os efeitos das decisões do TC não se esgotaram em 2014», frisou. Apesar do não cumprimento do Tratado Orçamental, a ministra não espera que Bruxelas vete o OE-2015. «Estamos confiantes que os argumentos são fortes».
Grande parte da redução do défice para 2,7% será assim por via de impostos, onde se destaca a manutenção da sobretaxa de IRS em 2015. Pode ser devolvida apenas no acerto do imposto em 2016, se a receita fiscal ficar acima do projectado. «A medida cria um novo instrumento ao serviço do combate à fraude e evasão fiscais, mas causa também perplexidade. É o reconhecimento de que a redução estrutural da despesa pública não teve nem a rapidez nem a magnitude que eram essenciais», considera o fiscalista Jaime Esteves, da PwC.
Em paralelo com o OE, vão ser também discutidas no Parlamento as reformas do IRS e da fiscalidade verde, aprovadas ontem em Conselho de Ministros. Haverá um novo regime de deduções no IRS, em que os montantes das despesas serão controlados informaticamente pelo Fisco. Outra novidade é a criação do quociente familiar: filhos e avós passam a ser considerados no cálculo do imposto. Quanto à reforma da fiscalidade verde, assenta em três pilares: uma taxa de oito cêntimos sobre os sacos de plástico, uma taxa sobre os recursos hídricos e o aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos.
Medidas do OE
IMI sobe
Com o fim da cláusula de salvaguarda para novos aumentos, o imposto será aplicado na totalidade. Mas o número de famílias com isenção vai ser alargado de 300 mil para 350 mil.
Bebidas, tabaco e combustíveis mais caros
Cigarros electrónicos passam a ser tributados, a carga fiscal do álcool vai subir entre 2,9% e 3% e gasóleo, gasolina e GPL aumentam dois cêntimos.
Apoios sociais com limites
Beneficiários de apoios sociais não vão poder receber mais do que salário médio de um trabalhador não qualificado.
Função Pública
Os funcionários do Estado vão receber 20% dos cortes salariais sofridos. Até final de 2015 devem sair mais 12 mil trabalhadores.
IRC baixa
O imposto sobre as empresas baixa de 23% para 21%.
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