Nem Belém nem ONU, esta terça feira Durão Barroso viu-se metido numa cena da série sobre os bastidores de Washington, House of Cards. A culpa foi do moderador de um debate sobre uma Nova Narrativa para a Europa, que lançou a discussão com um clip da trama protagonizada por Kevin Spacey.
O apresentador queria mostrar a forma como em Washington o poder despreza a arte e usa como mero símbolo de status, para falar de uma Europa onde líderes como Durão Barroso convocam artistas para definir o que é ser europeu.
A ideia é que o livro que nasceu para voltar a pensar o que é a identidade europeia não seja um mero "coffe table book", como na série acontecia ao catálogo do pintor belga Luc Tuymans.
Mas House of Cards acabou por tomar conta da conversa, com o jornalista italiano Beppe Severgnini – um dos participantes no projecto – a pedir a Durão e aos outros políticos europeus que sigam uma máxima de Frank Underwood, segundo a qual "a generosidade é uma forma de poder ".
Sentado na primeira fila, Durão tomou nota do recado. Ao seu lado, Tuymans aproveitou, porém, para desfazer a ideia de que a sua obra tinha sido maltratada na ficção norte-americana. E tratou de contar aos presentes que, afinal, o próprio Kevin Spacey lhe tinha ligado a explicar que essa não era a ideia dos argumentistas de House of Cards.
Mas a tarde não tinha sido tirada para falar de séries americanas. O objectivo era reflectir sobre a Europa. E a conversa foi-se fazendo à volta dos conceitos de democracia, paz e liberdade e da tensão crescente destes valores com as ondas populistas, nacionalistas e xenófobas que varrem o velho continente.
Durão Barroso aproveitou, aliás, a intervenção final para falar sobre a forma como a Europa deve encarar estes problemas e da necessidade de ouvir "todas as vozes ", com destaque para os artistas e os intelectuais neste debate sobre os perigos da xenofobia e do nacionalismo.
Mas, se para consumo europeu, Durão se apresentou como homem da Cultura – com o director do Centro Bozar a elogiar-lhe a proximidade com os artistas -, para os jornalistas portugueses o discurso voltou à Economia.
Barroso quer que o seu legado fique ligado "à capacidade da Europa de resistir à crise", lembrando que economias em apuros como a portuguesa "têm agora capacidade de se financiar " e que, ao contrário do que os mais pessimistas previam, "não houve a implosão do euro ".
O agora quase ex-presidente da Comissão mostra-se impaciente quando a pergunta é sobre presidenciais, mas não deixa margem para dúvidas sobre uma corrida a Belém em Janeiro de 2016: "Não sou candidato. Já o disse. Quantas vezes tenho de repetir?".
Menos peremptória é a resposta sobre um futuro como secretário-geral da ONU. Durão recorda que "o mais provável é que o próximo líder seja da Europa da Leste". E, perante, muita insistência sobre se põe de parte essa ambição, limita-se a sorrir. "Não falo sobre hipóteses que são para já irrealistas ", remata.
Para já, fica por Bruxelas a preparar um futuro que deve passar por correr o mundo a dar conferências, como fazem nomes como Bill Clinton e Tony Blair.