É difícil chegar à fala com Sven-Göran Eriksson, o treinador sueco que foi bicampeão pelo Benfica. Quando se marca o seu número de telemóvel, na esmagadora maioria das vezes ouve-se uma gravação em chinês. Mas com paciência, persistência e alguma sorte, é possível que ao fim de umas poucas dezenas de tentativas o telefone chame e que do outro lado da linha atenda alguém falando um inglês com um forte sotaque italiano. Reminiscências de uma carreira internacional marcada pelo cargo de seleccionador de Inglaterra (2001-2006) e por muitos anos a treinar em Itália.
– Hello?
– Sven-Goran Eriksson?
– Sim.
– Estou a ligar-lhe de Portugal. Gostaria de falar consigo porque o seu livro acaba de ser publicado no nosso país.
– Ahhh. Muito bem.
– Devo falar em inglês ou ainda fala português?
– [risos] Em inglês, em inglês. Oiça: eu estou com a equipa, vamos agora entrar no autocarro para irmos para o hotel. Pode ligar-me mais tarde? Ou amanhã de manhã, quando acordar? Ligue-me amanhã de manhã, quando acordar.
– Ligo-lhe amanhã, então.
– Muito obrigado. Bye bye.
Na manhã seguinte, após mais algumas dezenas de tentativas realizadas ao longo de uma hora, o telefone chama e o treinador atende.
Está na China neste momento?
Sim, estou numa cidade chamada Yunnan. A equipa vai jogar aqui amanhã.
Há quanto tempo está na China?
Cheguei aqui em Junho do ano passado. Há cerca um ano e meio. Faltam três jogos e depois a época termina. [A sua equipa, o Guangzhou R&F, encontra-se no terceiro lugar da tabela, sendo provavelmente essa a sua classificação final]
E já está habituado à vida na China?
Sim, é excelente. Vivo numa cidade chamada Guangzhou, que tem 15 milhões de habitantes. É uma das maiores cidades da China e muito internacional. Tem tudo. Estou satisfeito.
Esta sua carreira internacional começou com o Benfica. Foi o primeiro clube que treinou fora da Suécia, certo?
Sim, foi o primeiro. 1982.
Recorda-se de qual foi a sua primeira impressão de Portugal e dos portugueses?
Claro que sim. Quando cheguei ao Benfica pela primeira vez levaram-me à sala dos troféus, no estádio antigo. Foi fantástico. O estádio já estava velhinho, mas tinha um grande ambiente. E ainda tenho uma casa em Portugal.
Costuma vir cá com frequência ou agora que está na China é mais difícil?
É mais difícil, porque a China é muito longe, mas tento sempre ir a Portugal uma ou duas vezes por ano. É um país fantástico.
Quando foi a última vez que cá esteve?
Penso que foi há um ano.
Contrariamente aos nórdicos, os portugueses por vezes são bastante desorganizados. Estava preparado para isso?
Não acho. Eu gosto dos portugueses, são muito simpáticos. O futebol não estava muito organizado naquela altura, é verdade, mas os jogadores trabalhavam no duro. Tínhamos uma equipa muito boa.
Quem era para si o melhor jogador dessa equipa?
Havia muitos bons jogadores. Humberto Coelho, Chalana, Nené, Carlos Manuel, Veloso, Álvaro, Bento, o guarda-redes… Muitos.
Ainda fala com alguns deles ou perdeu o contacto?
Ainda estou em contacto com o Humberto Coelho. E com o Toni, de quem sou amigo. Da última vez que fui a Portugal tentei falar com Eusébio, que infelizmente faleceu no início deste ano.
Continua a acompanhar o futebol português?
Normalmente aqui não consigo ver os jogos na televisão, mas claro que ainda sigo os resultados do Benfica. O Benfica destes últimos anos tem sido fantástico. No campeonato, na Liga Europa… Muito bom.
Conhece o treinador, Jorge Jesus?
Sei quem ele é e penso que já nos cumprimentámos, mas não posso dizer que nos conheçamos. Está a fazer um grande trabalho.
No seu livro descreve uma deslocação do Benfica ao Porto, em que Pinto da Costa lhe disse: “Respeito-o muito, Sr. Eriksson, mas guerra é guerra”. O presidente do Porto alguma vez o abordou para ser treinador do clube?
Nunca. Tive, isso sim, uma possibilidade de regressar ao Benfica, há uns anos.
A convite de Luís Filipe Vieira.
Mas optei por ir para o México. Isso foi provavelmente um erro… Foi mesmo um erro.
Diz no seu livro que nunca gostou de confrontos. É possível fazer uma carreira no futebol sem fazer inimigos?
Huuum… Penso que é possível. Claro que no futebol conhecemos muitas pessoas que não nos adoram. Mas não acho que tenha muitos inimigos.
Mas parece haver uma rivalidade com Fabio Capello…
Nunca houve um grande entendimento entre mim e Capello. Nunca. Eu estava na Lazio e ele no Milan, depois fui para a Sampdoria e ele continuou no Milan – esteve lá muito tempo. Quer dizer, nunca lutámos…
Mas também nunca se deram bem.
[Risos]
Disse que Roberto Baggio foi o melhor jogador que treinou e já elogiou o profissionalismo de Beckham e de Drogba…
Baggio tinha um grande, grande, grande talento. Conheci-o muito jovem e tornou-se um grande jogador. Fiquei feliz por ele. Tive jogadores fantásticos, como Roberto Falcão [centrocampista da selecção brasileira] – lembra-se? -, Beckham, Gullit… Chalana! Era fantástico.
Qual foi, pelo contrário, o jogador que lhe deu mais problemas?
Que me deu mais problemas? Não sei… Zibi Bonieck [estrela polaca que se transferiu da Juventus para a Roma] e nunca gostámos um do outro. Talvez fosse tanto por minha culpa como por culpa dele. Houve outro jogador com quem tive alguns problemas, mas nada de especial: Alen Bokšic, da Lazio. Era muito egoísta. Mas é um bom homem. Tínhamos muitas discussões e depois mudei a sua forma de jogar.
Às vezes parece que você estava mais à vontade com os presidentes dos clubes e grandes homens de negócios do que com os jogadores. Diz que podia tomar uma bebida ou jantar com o dirigente mas que não o faria com os jogadores. Isso não é um handicap?
Não, não, não. Penso que para se ser um treinador com sucesso é preciso ter uma boa relação com os jogadores, os jornalistas, os adeptos e o dono do clube. Normalmente, janta-se ou almoça-se com o presidente de vez em quando. Mas não se convida um jogador para jantar, pelo menos eu nunca convidei um jogador para uma refeição a dois. Aos jogadores, vemo-los todos os dias e almoçamos todos muitas vezes. Estamos juntos nos treinos, nos jogos, no hotel. Isso nunca foi problema. Acho que sempre tive boa relação com os jogadores.
Quando fala dos jogos, normalmente limita-se a dizer 'ganhámos' ou 'perdemos'. Revela pouco os seus sentimentos. Como treinador não fica entusiasmado ou irritado?
Fico entusiasmado – muito entusiasmado -, fico nervoso, fico irritado. Mas normalmente tento não o mostrar em público. Claro que fico frustrado, feliz, triste… depende de como jogarmos.
Como se lida com o nervosismo e com o facto de não se poder entrar em campo e participar no jogo?
Como lidam todos os treinadores. Pode-se gritar e dar indicações, mas não muito mais do que isso. No futebol tem de se preparar o jogo durante a semana, para que os jogadores saibam o que devem fazer em campo. Assim que começam os 90 minutos, claro que se pode fazer alterações, pode-se fazer alguma coisa, mas aí já depende muito dos jogadores.
Qual foi a pior derrota da sua vida? Os 8-1 contra o Middlesbrough quando treinava o Manchester City? O 3-2 contra o Lecce quando estava muito perto de conquistar o título italiano?
A pior derrota? Foi no Mundial de 2006 contra Portugal.
Ficou com algum trauma dos penáltis?
Com trauma não fiquei, mas andei a pensar nesse jogo durante semanas e semanas. Foi o meu último jogo pela Inglaterra. Antes do Mundial achava que tínhamos hipóteses de ir à final. Mas Rooney levou um cartão vermelho e perdemos nos penáltis. Depois disso acabou.
Na sua carreira também houve um antes e um depois da selecção inglesa?
Claro. Depois de Inglaterra só tive uma equipa realmente boa, que foi o Manchester City. Mesmo assim não era o Manchester City de agora. Depois fiz algumas más opções, como ter ido para o México, como lhe disse. Também estive num clube inglês dos escalões inferiores… Mas é assim! Às vezes cometem-se erros. E aqui estou eu na China outra vez muito feliz.
E qual foi a vitória mais saborosa que teve no futebol?
Oi, oi, oi… Essa é difícil! Campeonato do Mundo de 2002, na Alemanha. Inglaterra-Argentina. Foi um grande jogo de futebol, muito táctico, um dos melhores desse mundial. Ganhámos. Também fiz jogos muito bons com o Benfica. Derrotámos a Roma na Taça Uefa [quartos-de-final, 1983]. É difícil dizer. Há muitos, muitos anos, quando treinava o Gotemburgo, derrotámos os campeões da Alemanha, o Hamburgo, na final da Taça Uefa. 3-0, longe de casa. Essa foi provavelmente a razão por que fui para o Benfica. E claro, houve a vitória sobre a Alemanha na qualificação para o Mundial de 2002. Ganhar 5-1 fora é um feito.
Fora do futebol: tem hóbis?
Gosto de me manter em forma, por isso corro e vou ao ginásio. Tento fazê-lo quatro ou cinco vezes por semana. Gosto de ir comer fora com os meus amigos, de partilhar uma boa refeição. Mas quando estamos no futebol não há muito tempo. É futebol, futebol, futebol. Mas gosto disso.
A certa altura diz no seu livro: “Johan [o filho] pensava que eu andava a consumir demasiado álcool e preocupou-se comigo”. Alguma vez sentiu que bebia mais do que devia?
Bem, penso que depois do Mundial de 2006… Não tinha emprego. Havia demasiados jantares e demasiados dias de folga. Talvez bebesse com demasiada frequência.
Começou a beber mais por causa da derrota amarga contra Portugal?
Não, não! Não foi por causa disso. Não bebo por esse tipo de motivo. A razão foi ter ficado um ano sem emprego. Não estava habituado, estava habituado a ir trabalhar todos os dias.
Tem a reputação de ser um gentleman do futebol. É algo que gosta de cultivar?
Obrigado [risos]. Talvez. Acho que isso é muito bom. É algo que me agrada. É suposto comportarmo-nos como cavalheiros, não o contrário.
A sua casa em Portugal ainda está à venda?
Sim, ainda está.
E se a vender pondera comprar outra?
No momento em que deixar de trabalhar logo faço planos para ver onde me vou estabelecer. Mas quero trabalhar enquanto me sentir com saúde e com capacidade.
Mas quando se reformar planeia vir viver para Portugal?
É uma possibilidade.