De vez em quando, há quem se aproxime das duas jovens, atraído pelas cores garridas dos panfletos colocados sobre uma pequena mesa ao seu lado. Contêm informação para os frequentadores da noite – desde o LSD à ketamina, dos opióides à cocaína, da mescalina aos adulterantes, do GHB (conhecido como 'ecstasy líquido') aos 'cogumelos mágicos', do MDMA à sálvia, passando por drogas legais como a cafeína, o tabaco ou o álcool, que é afinal uma das substâncias psicotrópicas mais consumidas em Portugal. Os panfletos descrevem não só os efeitos de 18 das drogas mais consumidas no país e os cuidados a ter para consumi-las, como a legislação nacional aplicável sobre a matéria.
“O Check-in é um projecto de gestão de prazeres e riscos, com o foco no prazer. Parte do pressuposto de que as pessoas consomem e que são responsáveis pelos seus consumos” – explica Inês, animadora sociocultural que integra há três meses a equipa deste projecto da Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES), que arrancou em Maio no centro histórico de Lisboa (nas freguesias da Misericórdia e da Estrela) e, em Viseu, para uma segunda edição.
Apoiado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) através do Programa Operacional de Respostas Integradas, o Check-in aposta na redução de riscos, chegando aos consumidores de substâncias psicotrópicas “através da comunicação informal”, refere a coordenadora do projecto, Cristiana Alves. “Temos uma filosofia de intervenção para pessoas que não estão interessadas em abandonar os seus consumos mas querem geri-los e manter a sua saúde. Sem moralismos, nem julgamentos”, acrescenta.
Esta forma de intervenção foi esta semana reconhecida a nível internacional: o Check-in foi um dos três projectos vencedores – e o primeiro português a ser galardoado – do European Prize on Drug Prevention, promovido pelo Grupo Pompidou.
Para turistas
Na rua da Bica, os panfletos não são os únicos itens sobre a mesa: a sexualidade e a própria gestão do prazer em ambiente de festa também são tratados. Os técnicos do Chek-in distribuem, por exemplo, tampões auditivos a quem quiser reduzir os decibéis da música e minimizar os danos. Há ainda preservativos, masculinos e femininos (mais tarde, Inês fará uma demonstração para uma jovem de 20 anos), 'kits de snif' acompanhados de uma 'bula' onde pode ler-se que “partilhar o tubo pode ser uma forma de partilhar constipações, hepatites ou outras doenças, por isso […] usa o teu tubo!”. Isto além de instruções para danificar menos as narinas (“Se snifas: desfaz bem a substância e evita cristais…”) .
O próprio cartão do projecto foi concebido de forma a poder ser cortado e utilizado como filtro. “Mesmo assim, recomendamos sempre que se utilizem filtros de tabaco para substâncias fumadas”, esclarece Raquel, a outra técnica da APDES, estudante de Antropologia, que está na Bica esta noite.
Um turista loiro e alegre, que aparenta ter uns 30 anos, aproxima-se da banca, curioso. Inês pergunta-lhe se necessita de ajuda. “Diz-me uma coisa”, pede o estrangeiro em inglês: “Cá em Portugal a cocaína é muito 'cortada', não é? Disseram-me que não consegues arranjar boa 'coca' em Lisboa”. Sobre a mesa há um flyer sobre, precisamente, os adulterantes. “Não posso dizer-te isso exactamente, não conheço. Mas posso dizer-te que é importante saberes a quem estás a comprar”, explica-lhe Inês. No mercado negro português, é comum a cocaína ser 'cortada' com levamisole, que pode suprimir o sistema imunitário, lidocaína, fenacetina e cafeína, lê-se num dos flyers que esclarecem os consumidores acerca dos riscos associados a estas substâncias.
A disponibilização da informação em inglês, distribuída em festas e em zonas como o miradouro do Adamastor ou o largo do Camões, onde os técnicos da APDES também costumam marcar presença, é uma das apostas do projecto, o único com este tipo de intervenção em Portugal. “Os turistas procuram bastante informação sobre as dosagens e sobre a legislação, mas também sobre os efeitos das substâncias e sobre o próprio Check-in”, conta Raquel.
Parcerias com bares
A disponibilidade dos técnicos e o facto de os consumidores poderem identificar-se com eles é uma dos trunfos jogados na gestão dos riscos. Todos se tratam por tu. “Eu, a Raquel e o Pedro (técnico psicossocial que já foi voluntário no projecto) gostamos de sair à noite. É importante, porque não estamos aqui a fazer um 'frete', também estamos a divertir-nos, o que torna mais fácil as pessoas aproximarem-se”, explica Inês.
Por outro lado, o Check-in, que já fez 14.060 contactos com frequentadores de festivais de Verão e de festas desde a primeira edição, em 2007, aposta em parcerias com bares, discotecas e festas.
Saem em média duas vezes por semana para a noite Lisboa, e escolhem os locais consoante os eventos. Na Bica, a intervenção ainda é recente, mas todos os espaços comerciais sabem que as técnicas estão ali. “Há muita abertura. Há casos em que são os gerentes dos espaços que puxam as pessoas para vir conhecer o projecto. Também querem diminuir os riscos entre os seus clientes”, sublinha Inês.
Um grupo de amigos aproxima-se das jovens: querem perguntar-lhes como funciona o preservativo feminino. “São muito procurados porque em Portugal ainda são muito caros e não estão disponíveis em todas as farmácias”, explica Inês.
Após a demonstração, o grupo de amigos continua a conversar perto do stand e, de vez em quando, um dos jovens regressa para devolver um panfleto, apesar da insistência das técnicas da APDES de que podem ficar com eles. “São gratuitos”, sorriem. Esta é uma excepção, explicarão mais tarde. “Há muita gente que os leva para casa, para os amigos. Houve uma noite, durante uma festa do OpArt [bar nas Docas], em que uma rapariga levou flyers sobre LSD porque estava a fazer um trabalho para a escola”, conta Raquel.