Aos 84 anos, Kundera ainda testa a síntese romanceada da sua meditação intelectual sobre ironia e violência, idealismo, imortalidade, identidade, ignorância, ideias e emoções. Sem o fôlego de outras obras, mas com a leveza segura de uma novela, A Festa da Insignificância homenageia a individualidade. Para chegar até ela, autor e personagens capitulam perante a vitória do unânime e do anódino. O umbigo está no centro da contemporaneidade. “O amor, outrora, era a festa do individual, do inimitável, a glória do que é único, do que não suporta qualquer repetição. Mas o umbigo, não só não se revolta contra a repetição, é um apelo às repetições!”
Quatro amigos circulam por Paris. Ao contrário das deambulações do artista-flâneur moderno, há uma força centrípeta que os suga e os torna exploradores do nada. Alain constata que nasceu do ódio, Charles não escreverá a idealizada peça para marionetas, Ramon despreza a conformidade das filas de espera e Caliban, actor encarnado em criado, fala um linguajar inventado e comove-se com a castidade (de uma criada portuguesa). A vida é um coquetel mundano, sinistro, onde não há lugar para a vontade ou para o riso (aqui representado numa piada fenomenal, algo nostálgica, sobre Estaline e o re-baptismo da cidade de Kant). Não podemos derrubar, nem remodelar o mundo, eis a era “do pós-piadas”. A insignificância fez-se essência da vida. Kundera transformou-a em sonata
A Festa da Insignificância
Milan Kundera
Dom Quixote
159 págs., 14.90 euros