PS recua na viragem à esquerda

O Congresso do PS virou à esquerda mas a “esquerdização” do partido parece assustar alguns socialistas. António Costa, que no domingo recusou entendimentos à direita num discurso marcadamente ideológico, recua agora nas palavras: humanista em vez de esquerdista. Objectivo? Maioria absoluta.  

O secretário-geral consagrado clarificou a "autonomia estratégica do PS", pedida por Manuel Alegre, virando à esquerda. Primeiro na recusa de alianças à direita e ao abrir portas ao Livre de Rui Tavares, deixando avisos ao PCP e BE para saírem do espaço de "protesto". Depois, ao evidenciar a visão de esquerda que tem da sociedade e da União Europeia com um discurso em defesa da igualdade e regresso às raízes do socialismo.

Mas três dias após o Congresso (quarta-feira de manhã), Costa veio corrigir o tiro de partida: "Considerar esquerdista um discurso humanista, diz tudo sobre o radicalismo desta direita que nos governa, que abandonou os valores humanistas que inspiraram também a democracia cristã e outras correntes inspiradas na doutrina social da igreja". 

Esta é uma declaração pessoal de António Costa  partilhada no Facebook por um dos membros do seu Secretariado Nacional, Porfírio Silva, com autorização para o fazer, segundo confirmou o próprio ao SOL. "Não foi o PS que mudou. Foi a radicalização da direita que abandonou à esquerda a representação dos valores humanistas, centrados na dignidade da pessoa humana", conclui Costa citado por Porfírio Silva.   

A viragem à esquerda de olho nas eleições ganha nova direcção. O vice-presidente da bancada socialista, Vieira da Silva, recusou mesmo, durante o debate de quarta-feira, no Parlamento, que haja uma "esquerdização" do partido. "O PS está onde sempre esteve. Não faz sentido que por defender valores de dimensão social que sempre estiveram presentes no código genético do partido se fale numa viragem. Não há nenhuma esquerdização", garantiu ao SOL.

O discurso "humanista" de quem não quer perder o centro ganha força, justificando a "esquerdização" do PS com  o radicalismo da direita. O ex-Secretário de Estado Ascenso Simões, próximo de Costa e que pertence à ala direita no PS, contesta as recentes notícias. "E se deixássemos de meter o rabinho entre as pernas quando os comentadores dizem que o PS virou à esquerda e lhes disséssemos, com voz grossa, que se tinham transformado em profundos desconhecedores da História recente?", interroga no Facebook.

De olhos postos nas eleições

Na hora de contar os votos para a maioria absoluta pedida por Costa no Congresso, o PS ganha se virar à esquerda ou apelando ao centro? Para o histórico socialista Vera Jardim a "esquerdização é legítima e a única viável para dar autonomia estratégica ao PS". O discurso de Costa tinha de "afirmar uma alternativa e não apenas uma alternância", para se diferenciar dos outros partidos e do Governo.  "Se quer uma maioria para governar, não pode falar de entendimentos com a actual maioria", considera Vera Jardim ao SOL. 

Mas a História reza que os socialistas conseguiram os melhores resultados eleitorais ao centro: com António Guterres e com José Sócrates. A doutrina divide-se com os apoiantes de António José Seguro a apelar ao 'centrão'.  "Escolher entre esquerda e centro é uma derrota. Para ter uma maioria absoluta, o PS tem que somar e não excluir, tem que continuar a falar para o eleitorado ao centro não ideológico e aprofundar a capacidade de atrair a esquerda", diz o eurodeputado Carlos Zorrinho, que acredita na experiência de António Costa em Lisboa.

Já o deputado Miguel Laranjeiro lembra que tem sido impossível acordos à esquerda: "Os melhores resultados do PS foram sempre quando falou ao centro e não pode descurar esse espaço central da política".

A defesa de um Bloco Central ficou sem voz no Congresso, depois de Francisco Assis ter batido com a porta. Mas houve quem visse margem à direita nas palavras de Costa. "Foi um discurso inteligente. Disse que não faz coligações com os autores desta política. Mas se o PSD tiver outra política, com verdadeiros sociais-democratas, não me parece impossível", aponta o deputado José Junqueiro.

sonia.cerdeira@sol.pt com Manuel A. Magalhães