Mário Soares: Momentos de uma vida

Joaquim Vieira, biógrafo de Soares, diz que a existência burguesa do político se revelou incompatível com o «rigor e disciplina da militância comunista», levando-o a abandonar o partido. Alguns episódios da vida de um homem que «não concebe a ideia de ter de abandonar o palco»  

Mário Soares: Momentos de uma vida

Por que se dá a saída de Mário Soares, por volta dos 30 anos de idade, do PCP e o seu afastamento ideológico da orientação comunista?
Basicamente, deveu-se à incompatibilidade do estilo de vida burguês de Soares (que ele nunca renegou) com o rigor e a disciplina da militância comunista.

Ao todo, quantas prisões teve? Quanto tempo passou na cadeia? E no exílio em S. Tomé e Príncipe?
Soares foi detido 12 vezes, entre o Verão de 1946 e Março de 1968, por períodos que variaram entre uma noite e um máximo de seis meses, nunca tendo ido a julgamento. O seu exílio em São Tomé seguiu-se à última detenção e prolongou-se até Novembro do mesmo ano, já com Marcelo Caetano no lugar de Salazar – durou, portanto, cerca de oito meses.

uando se aproximou Soares da social-democracia europeia e da Internacional Socialista? Quem lhe deu a mão nesses anos: Willy Brandt, Olof Palme, Mitterrand, outros?
A aproximação de Soares à social-democracia europeia deu-se nos anos 60 e decorreu do processo natural de construção de um posicionamento alternativo à oposição comunista em Portugal. A fundação da Acção Socialista Portuguesa (ASP), em 1964, foi um primeiro passo nesse sentido. Já como líder da ASP, Soares terá contactado primeiro com Olof Palme e logo a seguir com Willy Brandt. A ajuda veio no âmbito das relações com a Internacional Socialista (onde estes dois dirigentes eram muito influentes), mais do que a título individual.

É verdade que a sua liderança no PS esteve em risco logo em 1974 com a facção de Manuel Serra e, em 1980, com os eanistas do PS (Guterres, Zenha, etc.), que o obrigaram a suspender o cargo de secretário-geral?
Acho que a facção de Manuel Serra não constituiu uma ameaça determinante sobre a liderança de Soares, apesar de ter conquistado o voto de quase 40 por cento dos delegados no congresso socialista de 1974. Em contrapartida, os eanistas do PS, em 1980 e 1981, estiveram muito mais perto de arrebatar-lhe o lugar, só não o conseguindo por não terem avançado com uma proposta de líder alternativo.

A vitória de Mário Soares sobre a aliança Zenha/Eanes/PCP na primeira volta das presidenciais de 1986 foi o momento eleitoral mais decisivo da sua carreira política?
Considero que sim, porque representou a consagração definitiva do seu ideário social-democrata na área da esquerda portuguesa e levou à configuração de um certo perfil, por ele definido, para o exercício do cargo de Presidente da República.

Como se explicam as suas reentradas em força na política activa já depois dos 70 anos, como foi o caso da candidatura ao Parlamento Europeu (com a tentativa frustrada de ser eleito presidente do PE) e de uma nova candidatura presidencial em 2006 (na qual ficou em terceiro lugar com apenas 14,3%, atrás de Cavaco Silva e Manuel Alegre)?
Por razões psicológicas. Soares viciou-se na política, actividade que exerceu durante toda a sua vida, e não concebe a ideia de ter de abandonar o palco. Até ao fim, ele julgar-se-á imprescindível no quadro da política portuguesa.

jal@sol.pt