Pedro Queiroz Pereira enviou quatro cartas e mapas com as avaliações técnicas à dívida financeira do Grupo Espírito Santo, material que constitui o famoso dossier que o empresário entregou ao Banco de Portugal numa reunião realizada a 4 de Outubro de 2013 com o vice-governador Pedro Duarte Neves, com o pelouro da supervisão bancária nessa altura.
“Não tive o mínimo sinal se o Banco de Portugal tinha conhecimento. Eu e o meu advogado questionámo-nos sobre isso a caminho do escritório, após a reunião. O meu advogado referiu que o vice-governador tinha cara de póker [póker face].”
O dono da Semapa ficou com dúvidas se o supervisor foi apanhado de surpresa ou se já suspeitava do GES. Já o próprio Queiroz Pereira confessa que tinha conhecimento que o GES “era um castelo de cartas” há vários anos.
“Eu já percebia que as coisas não corriam bem, há muitos, muitos anos. Desde o início deste século.” Para contextualizar, o empresário recorda aos deputados que o GES foi reconstruído com muitas dificuldades financeiras.
“As famílias, nas quais se incluía o meu pai, ficaram muito pauperadas em 1974. Não havia dinheiro.”
O empresário garante que houve enorme esforço de captação de recursos para entrar na ESI. O segundo grande esforço incidiu, durante os anos de 90, nas operações de natureza financeira, com emissões de obrigações, que aumentaram dívida do GES.
Na altura, diz o empresário, registavam-se “movimentos de dinheiro para baixo e para cima. Foi-se procurar dinheiro em pequenos accionistas e em operações de natureza financeira muito imaginativa”.
A crise financeira mundial, em 2008, apanha o grupo já num grande “stress financeiro”. E aqui começam as “dificuldades insuperáveis”. “Havia dívida já grande, havia juros a vencer. Havia problemas de caixa. Foi-se resolvendo com cada vez mais imaginação e em 2011, 2012 e 2013 com excessiva imaginação, diria eu.”
Pedro Queiroz Pereira revela que “não tinha uma boa relação com o governance” e confessa ter tido “acesas discussões com Ricardo Salgado”.
O empresário garante ter enviado um dossier ao Banco de Portugal com suspeitas sobre a gestão do BES porque sentia a existência de uma certa “fragilidade financeira”. “Os factos que apurámos foram de governance e de contabilização em sociedades de controlo do GES, uma provável insolvência dessas sociedades.”
“Na altura não se falava nem em BESA nem em passivos não contabilizados”. A situação líquida já era negativa em três mil milhões sem a dívida oculta e sem o BES Angola.
O Banco de Portugal pediu mais informação de governance, mas Queiroz Pereira não recebeu respostas das holdings.
O facto de ter ido ao supervisor terá assustado Ricardo Salgado, considera o empresário. Chegou a acordo com o ex-presidente do BES, deixou de ser sócio e comunicou ao Banco de Portugal que não iria prosseguir com a litigância. Esse acordo teve o envolvimento de Fernando Ulrich e Eduardo Catroga. Ulrich é seu amigo de infância e Catroga “não se sabe muito bem de onde vinha”, explica o empresário.
Bancos eram os “donos disto tudo”
O interesse do empresário Pedro Queiroz Pereira na Cimpor foi travado por Ricardo Salgado e Jardim Gonçalves, fundador do BCP, em 2001.
“Jardim Gonçalves e Ricardo Salgado travaram-me [na OPA sobre a Cimpor]. Podia ter ficado com um terço da Cimpor em 2001. Tinham um poder tal neste país” que era preciso controlar, justifica o empresário.
“Não era fácil para mim despoletar guerras com os bancos. Os bancos eram donos de tudo”, acusa o empresário da Semapa.
Ricciardi vivia em pânico
“Sou muito amigo deles todos. A quem eu me queixava com mais veemência era ao Dr. Ricciardi. O grupo estava a ir para o abismo”, conta. Consciente do impacto que a sua denúncia poderia ter, Queiroz Pereira hesitou no envio da queixa ao supervisor. “Demorei seis meses a escrever a carta”, confessa o empresário.
Pedro Queiroz Pereira confessa que tem dúvidas que o contabilista tenha realizado operações sem o conhecimento de Ricardo Salgado. “Quando se fala de Espírito Santo, fala-se de Ricardo Salgado”.