Sempre que há uma nova comissão parlamentar de inquérito (CPI) é certo que se vão suceder críticas ao enviesamento político das conclusões. Mas as crises nos bancos, primeiro no BPN e agora no BES, vieram trazer uma nova dimensão aos inquéritos parlamentares.
O objectivo é comum: saber o que se passou nos bancos e quais as falhas da supervisão. Os deputados dos diferentes partidos parecem concordar nalguns pontos de argumentação, algo raro. A maratona de horas nas audições – como a de Ricardo Salgado que durou dez horas – tem sido uma característica destes inquéritos aos bancos. Há quem critique: «Por que diabo as audições nas comissões parlamentares de inquérito não ocorrem com a regularidade dos horários das pessoas normais?», escreveu o ex-embaixador Francisco Seixas da Costa, no Facebook, questionando se seria por uma «necessidade de dramatização».
Mais trabalho, menos família
O vice-presidente da bancada do PSD Carlos Abreu Amorim sublinha que «o ritmo é muito intenso» e que, por isso, «o Natal é bem-vindo», já que os trabalhos serão interrompidos entre dia 22 e o início de Janeiro. O social-democrata compara mesmo o ritmo de trabalho nesta comissão ao do seu mestrado e doutoramento e confessa ao SOL: «Já adormeci mais do que uma vez em casa com a cara em cima do portátil».
Também o deputado do PCP Miguel Tiago garante que «as últimas semanas têm sido atípicas» devido às horas de estudo que vão pela noite dentro. «Tem sobrado pouco tempo para a vida pessoal e familiar», confessa.
A informação é muita e complexa e cada um adopta um método de preparação. O deputado do PSD Duarte Marques frisa que ter uma boa equipa de apoio «é fundamental». Todos sublinham que as notícias que foram saindo na imprensa são peça-chave para fazer o trabalho de casa. Os grupos parlamentares maiores, como o PSD e PS, conseguem distribuir trabalho por vários deputados, mas CDS, PCP e BE têm apenas um deputado por comissão.
«Fico no gabinete porque os dossiês são muito pesados e não quero andar com esses documentos de um lado para o outro», conta a deputada do BE Mariana Mortágua. Não acontece em todas as comissões, mas os inquéritos às crises na banca têm tido a particularidade de projectar alguns deputados. Aconteceu no BPN com Nuno Melo (ver texto ao lado) e está a acontecer agora com Mariana Mortágua, que tem recebido elogios da esquerda à direita. «Quando se empenha e se trabalha, haver um reconhecimento é sempre positivo por isso vejo com simpatia esses elogios», diz a deputada.
O modelo americano
Apesar do escrutínio público que é possível fazer através das audições, o relatório final permanece como o ‘calcanhar de Aquiles’. Como fica a cargo de um só deputado, a colagem política é muitas vezes notória, abrindo divisões partidárias, com a oposição a queixar-se do condicionamento do Governo. Exemplo disso foram as conclusões da comissão de inquérito aos submarinos.
Para evitar esse enviesamento político, o ex-coordenador do BE Francisco Louçã, propõe outro modelo, mais próximo do americano. «O modelo deveria permitir a elaboração de relatórios minoritários, com o poder de reabrir ou de fazer novas diligências por parte desses relatores minoritários, para evitar a conformação política governamental de cada conclusão», afirma ao SOL. Louçã diz ter «poucas expectativas» quanto ao relatório final do BES.
João Semedo, na liderança do BE até à última Convenção, concorda que há aspectos «a rever» na legislação das CPI. «As conclusões são opinativas e isso só prejudica», afirma Semedo. Questionado sobre se o partido poderá apresentar propostas de alteração, Semedo refere que esse é «um debate que estamos a ter suscitado pela actualidade».
A deputada do PS Maria de Belém, após presidir à comissão de inquérito aos Estaleiros de Viana, lançou essa discussão para se «ir além de uma interpretação política e partidária dos factos». Ao SOL, considera que as comissões deveriam ter acesso a documentos sigilosos e a possibilidade de realizar audições à porta fechada. «As CPI não são um tribunal penal mas são um tribunal político», diz a socialista.
Se as conclusões finais do BES não forem aceites por todos os partidos, é provável que a discussão para alterar a legislação das CPI seja reaberta.
Com Ricardo Rego e Sofia Rainho