O Diário de Notícias é uma dessas venerandas instituições, no restrito círculo de jornais portugueses que superaram o primeiro século de existência.
Perante tão ilustre ancião, fundado em 1864 por Eduardo Coelho e Tomás Quintino Antunes – que exibiu no cabeçalho gente de nomeada, arquivando nas suas páginas colaborações preciosas de Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Pinheiro Chagas, Stuart e muitos outros -, a atitude mais curial seria participar no coro celebratório e não correr o risco de destoar da homilia ritual.
Depois de atravessar gerações e regimes políticos – e embora com muitas falhas de memória próprias da idade -, o DN sobreviveu a guerras e a revoluções, viu chegar o primeiro homem à Lua e pousar o robô Philae no solo rugoso de um cometa. Hoje, como no futuro, a sua leitura será um complemento indispensável a qualquer estudioso.
Ironicamente, quase sucumbiria na Revolução de 25 de Abril. Para tanto, bastou que, no Verão Quente de 75, uma direcção identificada com o Partido Comunista, comandada por José Saramago, tivesse instalado uma orientação panfletária, num clima de caça às bruxas, afastando sumariamente os jornalistas que não mostraram obediência.
Ficou célebre o 'processo dos 24' – que chegou a ser o 'documento dos 30' – e que levou ao saneamento desses profissionais. Saramago seria o protagonista da proeza – “um esquerdista”, segundo Cunhal, citado por Carlos Brito.
Mal imaginaria o futuro Nobel que, mais tarde, seria homenageado com todas as honrarias no mesmo edifício que dominara com mão de ferro.
Deve o DN ao 25 de Novembro – tão injustamente esquecido – a remoção da direcção afecta ao PCP, substituindo Luís de Barros e Saramago por Victor Cunha Rêgo e Mário Mesquita – dois socialistas de verbo afiado – que devolveram progressivamente o DN à estabilidade perdida.
Foi por este caminho que o DN recuperou vendas e publicidade, afirmando-se novamente como um título de referência.
Estatizado durante as atribulações do PREC, coube a um Governo liderado por Cavaco Silva a decisão de reprivatizar o jornal, no início da década de 90.
Por entre os vários candidatos possíveis, emergiu um açoriano, antigo oficial da Força Aérea. Herdeiro de uma empresa familiar, a Lusomundo, Luís Silva tomou a dianteira e convenceu os mais cépticos das suas intenções virtuosas.
Homem de negócios, frio e racional, percebeu depressa que detinha um potencial que só precisava de cultivar com zelo. Dedicou-se a engordar a galinha, com o único fito de vendê-la por bom preço.
Faria fortuna à custa da PT (não seria o único…), então embalada na volúpia dos 'conteúdos', a quem alienou o grupo, entretanto alargado, realizando mais-valias de respeito. O declínio do DN começou com ele. De degrau em degrau.
A PT, com outra vocação, só podia gerir mal os media. Quando o descobriu, alijou o grupo, com menos-valias consideráveis, a outra empresa familiar, cujas origens remontavam à publicidade estática nos campos de futebol.
Tal como Luís Silva, também Joaquim Oliveira estava nos antípodas da sensibilidade e do saber devidos a um jornal centenário. E se o primeiro enriqueceu com o negócio, pelo menos o segundo soube aliviar-se de responsabilidades, ao encontrar parceiros disponíveis para serem tomadores das moratórias.
É nesta curva da História que o DN celebra século e meio de existência.
Dizem-no com saúde precária, obrigado a respiração assistida. Perante uma doença tão complexa, a terapêutica não passa por simples vitaminas. Ou por balões de oxigénio. Muito menos pela tentação – de que se fala – de mudar o paciente de hospital…
Já aconteceu no passado, nem sequer longínquo, quando umas luminárias quiseram transferir o DN para um inexpressivo espaço suburbano.
O edifício da Av. da Liberdade é demasiado tentador, já que o custo por metro quadrado no local subiu em flecha, sob a pressão da hotelaria e das lojas de luxo.
À beira de completar 75 anos – outra efeméride – o projecto de Pardal Monteiro continua a ser hoje um edifício icónico, construído de raiz para albergar o jornal.
Faz parte integrante da história do DN, como os painéis de Almada que lhe decoram o átrio.
A menos que se queira 'internar' o idoso num lar da terceira idade, para terminar discretamente os seus dias.