Se no mundo que é o nosso, acontece algo que foge às regras desse mesmo mundo, só pode ser duas coisas: ou uma ilusão dos sentidos, ou um acontecimento que, afinal, faz parte da realidade, regida por regras que não conhecemos. De acordo com o filósofo e linguista búlgaro Tzvetan Todorov, o fantástico ocupa o espaço aberto por esta incerteza. A ficção de Jorge Luis Borges é, para muitos, a garantia da realidade desse fantástico, pelo menos no papel. Mostraram-no também dez ficcionistas argentinos, escolhidos pelo mestre para representar a melhor literatura fantástica do seu país e do seu tempo.
Contos Argentinos, recém-lançado pela Presença, inclui-se na trintena de livros da excepcional colecção A Biblioteca de Babel, editada por Borges, a convite de Franco Maria Ricci (cuja colecção de arte se encontra em exibição até Abril no Museu de Arte Antiga, em Lisboa), a partir de 1977. Neste volume, Borges selecciona nove pequenas narrativas fantásticas argentinas (por vezes próximas da ficção científica), marcadas pela imaginação e inovação.
Pode um chimpanzé aprender a falar como gente? Em 'Yzur', de Leopoldo Lugones, a tentativa não falha por falta de esforço. Pode alguém resistir à curiosidade de espreitar um extra-terrestre? Adolfo Bioy Casares testa-o, numa vilória da pampa argentina. Pode um cocheiro (depois, condutor de eléctrico), crioulo, coxo e compadrito, chocar de encontro ao tempo? Sim, porque “o destino é canhestro” (Arturo Cancela e Pilar de Lusarreta). Tudo é possível, ao ponto de o impossível nos expulsar de pavor da nossa própria casa ('Casa Ocupada', Julio Cortázar).
Contos Argentinos pode ser lido com a lentidão de quem saboreia uma paisagem ou a pressa de quem gosta de apanhar sustos. Em qualquer das formas, o tempo distende-se quando chegamos a 'A diligência', apurado por Manuel Mujica Láinez como renda de bilros. Por fim, leiam-se as narrativas bastante mais breves de Silvana Ocampo (onde a loucura é objectiva), Federico Peltzer, Manuel Peyrou e María Esther Vázquez. Ao todo, são dez timbres fantásticos, elogiados por Borges como voz das “solitárias vastidões do Sul”.
Livro:
Contos Argentinos
AA.VV (selecção de Jorge Luis Borges)
FMR / Editorial Presença
139 págs.
14.90 euros