Tudo o que precisa de saber sobre as eleições na Grécia

O Syriza vai mesmo vencer? O que pode acontecer depois? E quais as consequências para Portugal? O SOL responde às suas dúvidas sobre a votação mais importante dos últimos anos na Europa. 

Tudo o que precisa de saber sobre as eleições na Grécia

Porque é que a Grécia vai a votos agora?

Porque o Parlamento grego não elegeu em Dezembro o candidato à Presidência da República proposto pela direita, desencadeando uma ida antecipada às urnas de acordo com a Constituição helénica. Mas essa votação presidencial foi igualmente antecipada pelo primeiro-ministro Antonis Samaras (Nova Democracia, direita), que quis travar a rápida subida do Syriza de Alexis Tsipras nas sondagens, pôr termo a semanas de crise política e ‘assustar’ a troika, com que Atenas tem registado dificuldades nas mais recentes negociações. A ND não tinha os 180 votos (em 300) necessários mas Samaras contava obter o apoio de alguns independentes, incluindo dissidentes do seu partido. O tiro saiu pela culatra.

Como se vão processar as eleições?

Este domingo, um total de 9,8 milhões de gregos poderão votar entre as 7h e as 19h locais (5h e 17h em Lisboa). Há 22 partidos no boletim de voto. Para entrar no Prlamento, cada formação terá de obter pelo menos 3% das preferências. O partido mais votado obtém um bónus de 50 mandatos no Parlamento.

Quando vamos conhecer os resultados?

Os resultados das sondagens à boca da urna vão ser revelados às 19h (17h em Lisboa), com uma estimativa oficial baseada na contagem preliminar dos votos a ser conhecida às 21h30 (19h30 em Lisboa). Perto da meia-noite (22h por cá), com a quase totalidade dos escrutínios contabilizados, haverá uma nova estimativa oficial, esta já muito próxima do resultado final.

A vitória do Syriza está garantida?

As sondagens mais recentes dão ao Syriza 33 a 36% das intenções de voto. A Nova Democracia do actual primeiro-ministro Antonis Samaras, de direita, ronda os 29-30%. O centrista To Potami poderá obter entre 5 a 7% dos votos – um pouco mais do que o socialista PASOK, que perdeu definitivamente o estatuto de grande partido grego. Os comunistas do KKE e os nazis da Aurora Dourada oscilam entre os 4 e os 8%, sendo que é especialmente difícil prever o número de votos na extrema-direita. Há cerca de 10% de indecisos, e a margem de erro deixa em aberto (ainda que seja muito pouco provável) a possibilidade de um triunfo da ND.

Tendo em conta o tal bónus de 50 deputados atribuído ao partido mais votado, e dependendo de quantos partidos ultrapassarem a fasquia mínima de 3% exigida para a entrada no Parlamento, a meta para a maioria absoluta está entre os 35 ou 40%.

Se nenhum partido alcançar a maioria, o Presidente da República encarrega a força mais votada de formar Governo. Este será quase que certamente o Syriza. Depois, segue-se a sujeição a uma moção de confiança que requer o voto favorável de 151 dos 300 deputados. Aqui, se o Syriza não reunir sozinho o número de votos requerido, poderá obter o apoio do To Potami. Já a ND necessitaria de apoios ao centro e mesmo à esquerda com o que restar do PASOK, mas as perspectiva de mais um mau resultado para os socialistas – e a improbabilidade de um acordo com os nazis – dificulta as contas dos conservadores. A vitória do Syriza está por isso praticamente garantida. A maioria absoluta não está.

O Syriza quer romper com o euro e a União Europeia?

Não. O Syriza defende a manutenção de Atenas na Zona Euro e na União Europeia, considerando que uma saída seria potencialmente prejudicial para os gregos e optando antes por tentar mudar Bruxelas por dentro. Defendia até há poucos dias uma eventual saída da NATO (ideia expressa no site oficial do partido, entretanto afastada do discurso oficial) e uma aproximação política e económica aos vizinhos mais próximos, não escondendo também a sua simpatia com o bloco latino-americano.

O Syriza é um partido comunista?

Se o Syriza vencer as eleições, “a Grécia vai transformar-se numa Venezuela ou numa Coreia do Norte”, disse o ainda primeiro-ministro conservador Antonis Samaras. E um porta-voz do seu Governo afirmou mesmo que os gregos vão rapidamente ficar “sem papel higiénico” se os adversários chegarem ao poder. Palavras como estas têm sido repetidas em Atenas e também na imprensa internacional, algo que o Syriza denuncia como uma “campanha de medo” para impedir o seu triunfo eleitoral.

O partido, que na sua génese era uma coligação de diversos movimentos de esquerda, inclui militantes marxistas nas suas bases, mas não é anti-capitalista e anteriores declarações sobre nacionalizações foram desaparecendo do discurso oficial. Esta evolução tem causado mesmo uma clivagem entre a direcção do partido e alguns dos seus militantes e antigos dirigentes, mas por outro lado atraiu um grande número de apoiantes moderados que poderão ditar uma cada vez maior ‘domesticação’ das posições do Syriza. Tem maiores semelhanças como o Bloco de Esquerda e o Livre portugueses, o com o PT brasileiro, do que com os respectivos partidos comunistas. Aliás, é notória a rivalidade com os comunistas gregos do KKE, que consideram o Syriza um falso partido de esquerda e uma golpada populista.

Quem é Alexis Tsipras?

Grande parte do sucesso do Syriza deve-se ao carisma de Alexis Tsipras (na foto abaixo), um engenheiro civil de 40 anos especializado em planeamento urbano. Antigo militante comunista, foi líder estudantil, candidato à Câmara de Atenas em 2006, deputado nacional desde 2009 e candidato à Presidência da Comissão Europeia em 2014. Vive com a namorada com que está junto desde os 13 anos e de quem tem dois filhos, um deles chamado Ernesto em homenagem a Che Guevara. Tem um estilo informal, abdicando do fato e gravata, e é um fervoroso adepto do Panathinaikos.

Que outras forças estão em jogo?

O Syriza tem no seu caminho para o poder um único verdadeiro adversário, um potencial aliado e vários empecilhos. A conservadora Nova Democracia de Antonis Samaras (na foto abaixo) deverá ser o segundo partido mais votado (salvo surpresa) e quer prosseguir o austero reajustamento prescrito pela troika, que diz estar a produzir resultados. Este é o adversário. Ao lugar de terceiro maior partido grego concorrem agora quatro forças políticas, e dos seus resultados depende em boa parte o futuro da paisagem política helénica, sobretudo de o Syriza precisar de se coligar: o centrista e pró-europeu To Potami (O Rio) do apresentador Stavros Theodorakis, que se poderá unir ao Syriza; a neonazi Aurora Dourada, que manterá representação parlamentar apesar de ter perdido força com a detenção em 2013 dos seus principais dirigentes; o PASOK, partido socialista helénico dividido e mergulhado na mais grave crise da sua história e, por fim, o Partido Comunista (KKE), que recusa qualquer acordo com o Syriza. (Faça-se ainda referência ao KIDISO, recém-fundado partido do antigo primeiro-ministro socialista e ex-líder do PASOK Georges Papandreou, cuja entrada no Parlamento não está garantida.)

E depois das eleições, a austeridade pode abrandar?

Tudo vai depender da capacidade negocial do novo Governo grego e da abertura dos parceiros europeus para flexibilizar as metas orçamentais do país. A Grécia assumiu compromissos de redução do défice ao abrigo de um memorando de entendimento, e está há anos com medidas de contenção da despesa. Se o Syriza ganhar há certamente propostas do partido que põem em causa essas metas de contenção orçamental: aumentos de pensões, novos subsídios e apoios para as famílias mais carenciadas (abaixo, uma cantina em Atenas), etc. Se a Europa aceitar novas metas, o partido teria margem para um menor nível de austeridade. Se não aceitar, Atenas poderá assumir unilateralmente uma derrapagem orçamental, mas deveria ser confrontada com sanções da Europa. Eric Dor, um investigador da escola de gestão francesa IESEG que tem acompanhado a crise grega, considera inevitável uma negociação: “Syriza ou não, os vencedores das eleições vão certamente pedir um relaxamento do programa de austeridade por razões humanitárias e negociar uma reestruturação da dívida”.

A reestruturação da dívida é possível?

É muito complexo, mas possível. Hoje em dia, grande parte da dívida grega está nas mãos do FMI, do BCE e dos Estados-membros que emprestaram dinheiro à Grécia através de empréstimos bilaterais ou garantias aos fundos de resgate europeus: European Financial Stability Facility (ESFS) e European Stability Mechanism (ESM). Tentar reestruturar a pouca dívida do sector privado teria pouco impacto e seria confuso – há muitos títulos no mercado emitidos sob a lei inglesa e não da grega, tornando-os mais difíceis de reestruturar. Os estatutos do FMI não lhe permitem perdoar dívida. Envolver o BCE e os parceiros europeus em perdas com a sua exposição à Grécia levanta muitos obstáculos em alguns países, nomeadamente na Alemanha, mas a opção mais viável deve ser por aqui. Para Eric Dor, o cenário mais plausível é uma “forma leve de reestruturação”: alargamento da maturidade dos empréstimos bilaterais e dos fundos de resgate europeus.

Apesar das declarações de Tsipras, a Grécia pode sair do euro?

Só deverá acontecer se a Grécia e os parceiros europeus não concordarem com um relaxamento de austeridade e uma reestruturação da dívida. A iniciativa poderia ser de qualquer uma das partes. “O establishment político da Grécia poderia pensar que não há nada a perder em deixar o euro, já que poderia deixar de pagar a dívida em euros”, diz Eric Dor. Se for a Europa a cortar os laços por incumprimento dos acordos orçamentais, o cenário deverá ser o BCE cortar o financiamento aos bancos gregos, obrigando a Grécia a sair do euro.

Quais os efeitos de uma saída do euro?

Raoul Ruparel, director do Departamento de Estudos Económicos do Instituto Open Europe, antecipa que o impacto financeiro de uma saída do euro “ainda pode ser significativo”, embora menor do que há alguns anos atrás. Do ponto de vista grego, o sector bancário já teria condições para agora suportar uma saída e, uma vez que o país já tem um excedente orçamental primário (sem juros), poderia financiar-se apenas com impostos internos – partindo do princípio que suspenderia todos os pagamentos da dívida e de juros. “É claro que a incerteza criada pode criar um ambiente muito complicado” penalizar o país, que “tem poucas fontes de crescimento”.

Do ponto de vista da Zona Euro, uma saída poderia ter menos efeitos de contágio do que antes, acrescenta o economista. A exposição do sector privado à Grécia foi reduzido substancialmente e a exposição do sector público deveria ser “financeiramente gerível”. Mas ninguém consegue antecipar com precisão qual a reacção dos mercados: “Seria politicamente desastroso. Quebrar o tabu de sair do euro pode levantar problemas no futuro. Sempre que surgir um problema os mercados vão questionar se vai ser tratado dentro do euro ou se o país acabará por sair”, conclui Raoul Ruparel.

Portugal pode ser afectado?

Tudo vai depender da forma como os mercados financeiros interpretarem um default grego, aponta Eric Dor. Se a UE “vendesse” a ideia de que a Grécia é um caso particular, o impacto sobre os outros países da periferia a Zona Euro poderia ser “menos disruptiva”. Se os mercados financeiros interpretassem que poderia haver mais renegociações de dívida ou saídas do euro em países sobreendividados, seria algo difícil de gerir. “Certamente iria desencadear uma nova onda de aversão ao risco e especulação contra a dívida soberana de países como Portugal, Espanha e Itália, pelo menos”. Num cenário mais drástico, Portugal enfrentaria custos de financiamento cada vez mais elevados e poderia necessitar de algum tipo de apoio financeiro das autoridades europeias, se os juros atingissem níveis incomportáveis.

joao.madeira@sol.pt e pedro.guerreiro@sol.pt