Porfírio Silva e António Costa nem sempre estiveram do mesmo lado. A disputa pela liderança da Juventude Socialista (JS), na década de 80, e que ditaria o afastamento de Porfírio, colocou-os em campos opostos. Costa apoiava a lista de José Apolinário, que tinha a aprovação da direcção do partido e viria a ganhar. A lista encabeçada por Porfírio Silva, da ala mais à esquerda, era vista como a continuidade da anterior líder Margarida Marques, com quem se viria a casar.
«Foi um Congresso tenso que levou a um afastamento muito violento nosso da JS», recorda Paulo Pedroso, que integrava a lista de Porfírio, e um dos poucos amigos que manteve na política. Estávamos em 1987. Porfírio só regressaria à vida partidária no ano passado, para escrever a moção política às primárias de Costa.
Os adversários reconhecem-lhe a capacidade intelectual, a preparação e as convicções fortes. «Preocupava-se com as questões ideológicas. Não era conflituoso e tinha grande convicção nas suas posições. Era de trato fácil e bom relacionamento», lembra José Apolinário.
Após o afastamento da JS, Porfírio e Pedroso foram trabalhar com Jorge Sampaio, quando este era Secretário Internacional, na liderança de Vitor Constâncio. Ficou responsável pelas questões do desarmamento e Leste europeu; fazia, por exemplo os briefings sobre a Perestroika. Mas acabou por se dedicar à vida académica.
O bom negociador
Nascido em Aveiro, viveu com os pais na Venezuela e regressou ao país no início da adolescência. «Lia muito e cedo se interessou por temas sociais e políticos com grande paixão», conta o irmão Manuel Carvalho e Silva. Despertou para a política com as discussões do pai, do CDS, e do irmão (nove anos mais velho), do PCP. Chegaram aliás a disputar os três a junta de freguesia da Póvoa do Valado, em Aveiro, de onde eram naturais. «Sempre se falou muito de política dentro da família, mas nunca foi ponto de conflito pessoal», garante o irmão, hoje advogado.
Foi líder da JS/Aveiro e da Associação de Estudantes do Liceu, onde dividiu a direcção com Paulo Pedroso e António Souto, da JCP. «Uma vez estávamos a colar cartazes e ao sermos ameaçados por uma brigada da AD (Aliança Democrática), fomos socorridos por coladores de cartazes da JCP», ri-se Pedroso, notando que as pontes com os comunistas eram difíceis na altura.
O ex-ministro socialista sublinha as capacidades de negociação de Porfírio, acima das dinâmicas partidárias. «É uma mais valia, por enquanto discreta, para o PS. Mas quando o PS precisar de bons negociadores, de construir pontes, se ganhar as eleições sem maioria absoluta, ele será um bom negociador», nota. Uma qualidade também lembrada por um professor que o marcou: Arsélio Martins, professor de Matemática, ex-reitor do seu liceu e pai da actual porta-voz do BE Catarina Martins: «Era muito sossegado. Éramos diferentes mas trabalhámos em conjunto e lembro a paixão de discutir as diferenças e a sua capacidade de fazer consensos».
Não é por acaso que Porfírio, membro do Secretariado com o pelouro da comunicação, fez parte da delegação que cumprimentou os partidos. «É um ideólogo e estratega da ala esquerda», diz Pedroso. A insistência de Costa em puxar PCP e BE para um diálogo e em fazer uma ruptura com o 'arco da governação' não é alheia a Porfírio. Quem se senta à esquerda do PS no Parlamento «não pode voltar a enganar-se no adversário», disse no último Congresso.
Mas apesar da influência política, não é um amigo pessoal de Costa. «Têm uma relação franca, leal e aberta. Não acho que sejam amigos pessoais, de se convidarem para festas de anos, juntarem as famílias. Não são amigos de infância ou de partido. Têm uma relação predominantemente de confiança política», explica Paulo Pedroso, que compara esta colaboração com a de Obama e Hillary. «É um gesto de quem se quer rodear dos melhores, ainda que um dia rivais».
Da poesia ao teatro
Foi o responsável pela introdução das expressões dramáticas no liceu e ainda hoje mantém o gosto pelo teatro. Em 2013, participou na peça Ilusão, encenada por Luís Miguel Cintra, na Cornucópia. É um homem de interesses multifacetados. Além do teatro, a poesia.
Escreveu o livro de poemas Monstros Antigos e mantém um blogue com o mesmo nome. É, aliás, um bloguer activo: um dedicado à poesia, outro de fotografia, um político (Machina Speculatrix) e outro ainda com cartoons e montagens jocosas e irónicas que não poupa o Governo nem o Presidente da República – o último é uma montagem de Carlos Moedas num corpo de mulher, sob o título 'Moedas a tentar salvar a indigitação para comissário'.
Facetas que lhe podem valer o título de incómodo, ele próprio o admite. «Corro o risco de ser involuntariamente incómodo», confessa no Facebook, depois de explicar a relutância em aceitar novos amigos, uma vez que uns o procuram pela poesia e outros pela política. É nesta rede social que se apresenta como 'lavrador na empresa realidade', uma brincadeira que contrasta com os perfis por norma politicamente correctos dos políticos profissionais.
«Incómodo porque livre e frontal e nem sempre com bom feitio. Não será um yes man que justifica tudo o que for dito ou decidido. O que tiver a dizer dirá. Foi, é e será sempre a sua própria voz», considera Paulo Pedroso. Por isso adverte: «Há um potencial de diferenças de opinião significativo, mas o secretário-geral quando o escolheu tinha total consciência disso».
Porfírio respira política, mas nunca foi político profissional. E é um homem discreto. Não quis colaborar com o SOL para este perfil por não ser «favorável a abordagens pessoais em assuntos políticos». Depois de um interregno de trinta anos, um futuro no poder é quase certo.
sonia.cerdeira@sol.pt