A pior vendedora do mundo

Cheguei junto ao balcão onde estavam duas empregadas a conversar. Eram muito jovens – rondariam os 20 anos – e tinham as cabeças baixas, embora fosse impossível não terem dado pela minha chegada, pois eu estava a uns escassos 50 centímetros delas: só nos separava mesmo a largura do balcão. Mas não olharam para mim.…

A loja em questão situa-se na Baixa e não prima propriamente por preços módicos. Além disso, não vende artigos de primeira necessidade. Acrescentando a isso o facto de já terem passado dois dias sobre o Natal e de muita gente ainda estar a pensar na crise, não estranhei que a loja estivesse praticamente vazia. Para além de mim, só havia mais dois clientes, o que agravava a sensação de vazio pois o espaço era muito grande.

Após as empregadas se terem dignado olhar para mim, perguntei a uma delas se determinada peça em exposição era para vender. Respondeu prontamente que não. Resolvi insistir:

– Então por que está exposta?

– Aquela não é para vender. Mas se quiser, pode encomendar… – respondeu a rapariga, acrescentando: – Só que não leva menos de três meses a entregar…

– Não tenho pressa – adiantei. – E quanto custa?

– Custa mais de mil euros… – desferiu a rapariga, acreditando que me desmobilizaria.

– Sim, mas exactamente quanto? – insisti.

– Mais de mil euros… – repetiu a rapariga, como quem diz: vai-te mas é embora, porque não tens posses para isto!

Continuei a não desarmar e quis saber o preço exacto. Com ar contrariado, a rapariga teclou umas teclas no computador e depois de alguns segundos a olhar para o ecrã respondeu:

– 1.375 euros…

– E, se eu encomendar, como é que depois aquilo se transporta? Não o posso levar na mão…

– Se quiser, podem entregá-lo em casa. Mas como se transporta não sei… – disse a rapariga.

– O que me interessava saber era se a entregavam em casa. Não me importa naturalmente como a vão transportar … – respondi. Parecia uma conversa de parvos.

– Mas olhe que, se encomendar, levam três meses a entregar. Três meses, para mais e não para menos – voltava a avisar-me a rapariga.

– Mas eu não tenho pressa – repeti. – Até porque o Natal já passou…

Não conseguindo desmobilizar-me, a empregada decidiu-se então a pegar num papel, registando o nome do artigo em causa e pedindo-me o número do telemóvel para me informar sobre o preço exacto – pois, segundo entretanto concluíra, o preço podia já não ser aquele que me tinha dito.

Saí da loja confuso. Como é possível estabelecimentos com história e com responsabilidades terem empregadas destas a lidar com o público? Uma loja num local nobre da Baixa deve custar muito dinheiro, ainda para mais se o espaço for grande, como era o caso. E, não vendendo artigos de primeira necessidade, não deve abarrotar de compradores. Ora, se os empregados afugentarem os poucos clientes que lá vão, se estiverem mortinhos por vê-los pelas costas, que futuro pode esperar esta loja?

A simpatia dos empregados é um factor decisivo para o êxito de um negócio. Se formos recebidos com simpatia, se o empregado mostrar empenho e boa vontade em atender-nos, acabaremos às vezes por comprar o que não pensávamos e que não nos fazia falta nenhuma.

Se, pelo contrário, o empregado for antipático, se nos receber com má cara, a nossa vontade será sair rapidamente pela porta por onde entrámos. E não voltaremos a entrar naquela loja.

O comércio é assim mesmo: depende muito da capacidade do empregado para dar a volta ao cliente. Eu sei que há clientes chatíssimos. Insuportáveis. Mal criados. Que tratam os empregados com arrogância e maus modos. Que trazem o rei na barriga e, como têm dinheiro, acham que podem comprar tudo.

E há aquelas senhoras chatíssimas das quais me lembro quando em miúdo ia com a minha mãe à Baixa. Senhoras que nas sapatarias e nas lojas de tecidos massacravam os empregados até mais não poder ser. Pediam para experimentar um par de sapatos ou para ver uma peça de tecido. O empregado ia buscar o artigo (às vezes a prateleiras altas, tendo de se empoleirar para lá chegar). As senhoras calçavam um sapato e viam-se ao espelho, viravam-se de costas, tornavam-se a virar – e acabavam por pedir ao empregado outro modelo. E com os tecidos sucedia o mesmo: o empregado desdobrava as peças em cima do balcão, as senhoras olhavam, apalpavam o tecido, viravam-no do avesso, e acabavam por pedir para ver outro. E o empregado lá trazia outros pares de sapatos ou outras peças de tecido. E repetia-se a cena. Às tantas, estava o chão da sapataria repleto de caixas de sapatos e o balcão da casa de tecidos atravancado de peças de pano – e as senhoras continuavam a hesitar. E frequentemente diziam “obrigada” – e saíam sem comprar nada.

Mesmo sendo eu miúdo, incomodava-me imenso assistir a estas cenas. Mas em algumas lojas observa-se hoje o contrário: uma enorme antipatia por parte dos empregados. Uma aparente falta de interesse em vender. Uma sensação de que estão a fazer um enorme frete em atender-nos.

Pergunto-me: os empregados das lojas não terão formação prévia? Serão atirados para trás dos balcões sem lhes darem indicações básicas sobre como deverão atender os clientes?

Claro que os contratos a prazo, hoje generalizados, também contribuirão para este estado de coisas. Os empregados não se sentirão identificados com o estabelecimento, não sentirão necessidade de vender para garantirem o êxito do negócio e o seu próprio emprego, e desleixar-se-ão. Sabendo que irão para o olho da rua no fim do contrato – quer vendam muito ou vendam pouco -, não estão para se chatear demasiado.

Claro que a simpatia e a antipatia também vem das pessoas. Há pessoas prestáveis e pessoas imprestáveis. Mas os tempos incertos que vivemos, que se manifestam nas novas gerações por algum desencanto, por algum desnorte, por uma rebeldia sem causa, conduzirão a uma falta de brio que se reflecte em tudo. Mesmo no atendimento em lojas caras.

jas@sol.pt