‘O desaparecer da TAP comove-me, é como morrer alguém da família’

Orlando Fernandes e Margarida Isidro são duas gerações de trabalhadores da TAP que hoje estiveram lado a lado no aeroporto de Lisboa a dizer “não” à privatização da companhia, considerando que ao sair das mãos do Estado a empresa morre. 

‘O desaparecer da TAP comove-me, é como morrer alguém da família’

"Estou aqui para ajudar a proteger a TAP, como património nacional, para não ser entregue a qualquer interesse que não seja nacional, porque o desaparecer da TAP comove-me, é como morrer alguém da família", disse à Lusa Orlando Fernandes, reformado, que durante 37 anos foi "mecânico de aviões" na TAP. 

Ali ao lado, Margarida Isidro, assistente de bordo na TAP desde 1989, também não aceita a venda da empresa, que "é a melhor embaixadora de Portugal", e segura um cartaz com a fotografia do secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, onde se lê "Demita-se".

"Este senhor não é digno do cargo que ocupa. Os argumentos do Governo não são válidos e esconde a verdade aos portugueses, que têm que saber a verdade", argumenta a funcionária que não tem dúvidas que, se for vendida, "a TAP acaba, como tem acontecido com todas as outras companhias por esse mundo fora". 

Também Orlando Fernandes defende que a venda da companhia aérea a privados e estrangeiros porá um ponto final à "ligação ao país", recordando o que aconteceu com outras empresas, "vendidas ao desbarato", como a Cimpor e a Portugal Telecom. 

O nome de Sérgio Monteiro foi um dos mais repetidos durante a tarde, tendo mesmo sido acusado pelos manifestantes — maioritariamente trabalhadores — de ter "metido uma cunha" junto ao São Pedro, que trouxe chuva e descida de temperatura quando as intervenções dos organizadores, sindicatos e partidos subiam de tom. 

Também o ministro da Economia, Pires de Lima, e o Presidente da República, Cavaco Silva, foram acusados de promover e pactuar com a venda do grupo, pelos manifestantes que acreditam existirem outras saídas para os problemas da companhia, nomeadamente para a necessidade de capitalização, o primeiro de nove critérios para a escolha do comprador. 

O advogado Garcia Pereira foi um dos mais críticos da tarde, questionando as razões de um Governo que "está com os pés para a cova", "a seis meses de ser posto na rua" estar a avançar com esta operação, que não tem em conta que "Portugal é um país à parte no quadro europeu" e também apontando o dedo à gestão de Fernando Pinto. 

"Portugal tem metade da população espalhada pelo mundo, duas regiões autónomas e a TAP é a nossa maior exportadora. Esta questão é de enorme importância para o país", afirmou, apelidando de "escândalo" o negócio que o Governo está a tentar fechar no final da Legislatura.

A deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, o deputado do PCP Bruno Dias e o deputado do PS Rui Paulo Figueiredo foram alguns dos representantes da oposição que responderam ao apelo do movimento "Não TAP os Olhos", movimento cívico liderado pelo cineasta António-Pedro Vasconcelos, que tem desenvolvido várias iniciativas contra a venda da transportadora nacional. 

"Temos aqui uma mobilização que pode servir de exemplo para demonstrar que a democracia não se esgota no voto", defendeu António Pedro Vasconcelos, adiantando que a ação do "Não TAP os Olhos" prossegue com a recolha de assinaturas para pedir um referendo à privatização da TAP a partir de segunda-feira. 

O cineasta não tem dúvidas que serão recolhidas as 75.000 assinaturas necessárias, lamentando desde já a possibilidade da maioria vir a chumbar a pretensão de uma consulta popular no Parlamento, considerando que seria "uma vergonha".

O Governo relançou a privatização da TAP em Novembro e já este mês aprovou em Conselho de Ministros o caderno de encargos, que define as condições para a venda de até 66% do capital do grupo até ao final do primeiro semestre. 

No início de Fevereiro será disponibilizada a restante informação económica e financeira sobre o grupo aos interessados, revelou na quarta-feira o secretário de Estado dos Transportes adiantando que estes terão que assinar um compromisso de confidencialidade para aceder aos dados que permitem perceber a realidade da TAP.

Lusa/SOL