Jozef Van Wissem : ‘Já tudo foi inventado no rock’

     

Tinha 11 anos quando o professor de guitarra eléctrica lhe deu um livro com composições para alaúde chamado ‘Peças Fáceis do Tempo de Shakespeare’. É com o ancestral instrumento de cordas que Jozef van Wissem regressa aos palcos lusos em Fevereiro: Galeria Zé dos Bois, em Lisboa (dia 5), Teatro Gil Vicente, Barcelos (6), Conservatório de Música de Vila Real (7) e Teatro Municipal Valadares, Caminha (8). Premiada em Cannes, a banda sonora do filme ‘Só os Amantes Sobrevivem’, de Jim Jarmusch, integra o alinhamento do músico holandês.

Quando regressar a Brooklyn depois da digressão, o que vai fazer?

Vou continuar a coleccionar primeiras edições de livros. As pessoas já não se preocupam com o papel, o que não tem problema porque assim fica para mim.

Sei que devora literatura espiritual cristã.

Inspirei-me em Jakob Böhme para a concepção do álbum anterior (Nihil Obstat). Mas gosto sobretudo de autoras femininas. Quando Marguerite Porete ou Juliana de Norwich escrevem sobre aproximar-se de Deus estão a falar sobre uma mulher que ama um homem. Há um erotismo nas entrelinhas que acho muito bonito.

Como conheceu Jim Jarmusch?

Conhecemo-nos em 2007, vi-o na rua em Manhattan. Perguntei-lhe se gostava de alaúdes, dei-lhe um CD, e mais tarde recebi um email do agente dele a pedir que lhe enviasse a minha música toda. Fomos tomar um chá verde, falámos de literatura, música antiga, William Blake, e ficámos amigos.

Como nasceu a banda sonora de 'Só os Amantes Sobrevivem'?

Compus oito peças para alaúde num mês tendo apenas lido o guião. Em estúdio foi-lhes adicionada guitarra eléctrica e bateria pelos SQÜRL, que é um projecto do Jim mais rockabilly. Foi feito um alinhamento da música mas na edição, que durou cinco meses, o Jim cortou meia hora de música, o que me deixou um pouco descontente na altura. Mas fiquei impressionado com as reacções que recebeu.

No filme 'Whiplash' é citada uma frase de Buddy Rich: 'Se não tens habilidade, acabas a tocar numa banda de rock'. Foi isso que sentiu antes de partir para Nova Iorque?

Tinha uma banda de rock e um bar (em Groningen) e fartei-me daquele estilo de vida. Não havia nada para estudar, não havia repertório, a música rock é chata, sem imaginação, plana, já foi tudo inventado. A parte do rock não está na forma como componho, nem na forma como faço as digressões ou como abordo a audiência. Posso tocar peças de alaúde muito sensíveis, calmas, minimalistas, avant-garde, e ter uma atitude rock na forma como procuro libertar o alaúde do meio académico.

Diz que o alaúde é um instrumento de protesto. Contra o quê?

Contra todo o materialismo e poder empresarial. O ritmo da inovação tecnológica é tão rápido que com ela não há futuro, só passado. O alaúde é um simples instrumento de madeira que fica à parte de tudo isso.

O que vai tocar em Portugal?

Alguns temas do filme e do meu novo álbum, Time For You to Return. Adoro os portugueses, são muito melancólicos. E todas as boas pessoas são melancólicas.