Esta cronologia não é «inocente», dizem os economistas contactados pelo SOL. As sucessivas mudanças na remuneração dos produtos reflectem não apenas as condições de mercado, mas também as necessidades de financiamento do Estado. E, neste momento, a prioridade governamental é reduzir os custos do financiamento – quer no acesso aos mercados quer junto dos pequenos aforradores. Por isso, fez as contas e decidiu reembolsar o FMI mais cedo e agora desistiu de «premiar os pequenos investidores», explicam os especialistas.
Os mais antigos instrumentos de poupança estatal, os CA, registaram uma fuga recorde nos últimos anos, após o lançamento da série C dos certificados. Entre 2008 e 2012, o Estado perdeu um terço dos investidores. O número de aforradores desceu de cerca de 718 mil para quase 476 mil. Em 2013 e 2014, o Governo inverteu a tendência, conseguindo atrair investidores e conquistar um valor de subscrições superior aos resgates.
No ano passado, o retalho garantiu mais 5.000 milhões de euros ao Estado, assegurando um terço das suas necessidades de financiamento. Para este ano, a estimativa apresentada no Orçamento já foi mais conservadora. O Governo prevê captar 'apenas' 2.500 milhões. No entanto, quase dois terços do montante foram amealhados em Janeiro, o melhor mês de sempre. A corrida dos investidores aos balcões dos CTT foi a resposta ao anúncio de descida das taxas a partir de 1 de Fevereiro. O montante investido em certificados superou até os 1.240 milhões de euros colocados em Bilhetes do Tesouro nos leilões de Janeiro.
«Se o Estado consegue financiar-se a 30 anos a pouco mais de 4% fará menos sentido financiar-se a um ano a 3,2%», afirma João Pereira Leite, director de Investimentos do Banco Carregosa.
«O recurso aos pequenos aforradores faz parte do mix de financiamento do Estado. Tem sido estratégico manter uma base alargada de subscritores e, para tal, o Estado tem criado produtos que são atractivos. Tendo isso em mente, o Estado também tem como objectivo minimizar os seus custos de financiamento. Não fazia muito sentido que o Estado continuasse a premiar os aforradores com taxas que se podem considerar 'fora de mercado'», refere Filipe Garcia, economista da consultora IMF.
Também o economista João César das Neves considera que «o Estado, que nos tempos de crédito fácil tinha decidido acabar com os certificados, teve de voltar a usá-los intensamente, por falta de alternativas. Agora que voltou a tê-las, volta a desprezar o instrumento. O Estado emite, ou deixa de emitir, conforme mudam as condições financeiras. Por isso, diz que mata e depois ressuscita e agora volta a matar, para poder vir a mudar de ideias no futuro».
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