Não te esqueças

Quando, em 1988, Dora Bruder entrou na vida de Patrick Modiano, ela já estava morta há 45 anos. Ao folhear um velho exemplar de 1941 do jornal Paris-Soir, o escritor francês (Prémio Nobel 2014) fixou um anúncio colocado pelos pais de Dora, solicitando o envio de quaisquer informações sobre a filha desaparecida para a morada…

Quando, em 1988, Dora Bruder entrou na vida de Patrick Modiano, ela já estava morta há 45 anos. Ao folhear um velho exemplar de 1941 do jornal Paris-Soir, o escritor francês (Prémio Nobel 2014) fixou um anúncio colocado pelos pais de Dora, solicitando o envio de quaisquer informações sobre a filha desaparecida para a morada da família, no n.º 41 da Alameda Ornano, em Paris.

Dora fugira de casa. Patrick também o fez, na adolescência. Talvez por isso se tenha identificado de modo profundo com esta judia de “15 anos, 1,55 m, rosto oval, cabelos cinzento-acastanhado” que “tinha o mundo inteiro contra si, sem saber porquê”. Crente no “dom da vidência dos escritores”, Modiano deu início a uma investigação paciente sobre a vida dela.

Dora Bruder saiu primeiro em português pela ASA, em 1998, e regressa agora pela Porto Editora. Considerada uma das melhores criações de Modiano, é um híbrido, algures entre a biografia, a autobiografia e a investigação dedutiva, no qual o escritor prossegue uma minuciosa cartografia dos rastos do período da Ocupação nazi impregnados na cidade de Paris.

Dora, uma sombra que acaba por dissipar-se em Auschwitz, ilumina a clarificação diferida da pré-história pessoal do escritor (o pai, judeu sefardita, recusou-se a usar a estrela amarela e sobreviveu àqueles anos graças a esquemas no mercado negro). Vamos sabendo de um e de outro, em simultâneo, enquanto se compõe o puzzle com detalhe de testemunhos, documentos, fotografias, até de registos meteorológicos, e se exploram múltiplas derivações, todos os ecos e todos os becos de uma narrativa fechada, mas incerta. O contributo de Serge Klasfeld, historiador francês perito na deportação nazi, foi crucial, mas Modiano jamais o refere.

Ainda que com contornos obsessivos, a tarefa de Modiano não serve o memorialismo voyeur, não é um memento mórbido. Há uma delicadeza respeitosa no modo como cataloga o tempo, através de Dora, e aceita os seus vazios e os seus segredos. Recentemente, a presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, tornou público que será atribuído o nome Dora Bruder a uma rua no Bairro de Clignancourt (18ème), onde ela habitou com os seus pais.

Livro:

Dora Bruder

Patrick Modiano

Porto Editora

112 págs.

15.50 euros