Droga: Cedo para despenalizar

A polémica estalou quando a ministra da Justiça defendeu que o Estado devia vender drogas leves em farmácias. Presidente do instituto da droga diz que não é momento de mudar a lei.

«Estamos no bom caminho. Utilizando uma expressão futebolística, em equipa que vence não se mexe» – diz ao SOL João Goulão, presidente do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), reagindo à declaração da ministra da Justiça que, no fim-de-semana, colocou na agenda mediática o tema das drogas leves.

«Os negócios da droga são profundamente rentáveis» e, «se estiver disponível nas farmácias, se a puder comprar», há «ganhos para os cidadãos», afirmou Paula Teixeira da Cruz, sábado, em entrevista à TSF, defendendo a legalização da venda de drogas leves. «Está demonstrado – e para mim isso ficou muito claro com a ‘lei seca’ nos EUA – que a proibição leva a que se pratiquem não só aqueles crimes, mas também outros, associados» , argumentou a ministra, dando como exemplos a actividade de gangues violentos e o branqueamento de capitais. «Entendo que há vantagens em fazer essa liberalização. Embora não goste da palavra. O que estamos a falar é de despenalizar», explicou ainda.

Portugal descriminalizou consumo, não despenalizou

E ‘despenalizar’ é uma palavra fundamental no contexto das drogas, insiste João Goulão, lembrando que em Portugal continua a vigorar o «paradigma proibicionista» da venda e do consumo de substâncias psicotrópicas: «Descriminalizar e despenalizar são termos completamente diferentes», recorda o também presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD, antigo Instituto da Droga). Ou seja, o consumo foi descriminalizado – consumir até uma determinada quantidade de qualquer substância não é crime desde 2001 –, mas é penalizado no âmbito do Direito Administrativo.

«Tem havido alguma confusão entre estes dois termos», lamenta Goulão, que considera que, quando Paula Teixeira da Cruz falou na possibilidade de disponibilizar drogas leves em farmácias, estaria a referir-se a substâncias para «uso terapêutico», tema que tem estado em cima da mesa. «Se as drogas fossem despenalizadas, seriam vendidas em onças, como acontece com o tabaco nas tabacarias», explica o mesmo responsável. «E não em farmácias». 

A mesma visão tem Luís Patrício, um dos pioneiros no tratamento da toxicodependência em Portugal: «Se a hipótese é a utilização de erva de marijuana como fim terapêutico, é bem-vinda», sublinhou à Lusa o psiquiatra.

Seja como for, Passos Coelho, rejeitou de imediato essa hipótese: «Não está no programa do Governo», assegurou o primeiro-ministro. A própria Paula Teixeira da Cruz já veio esclarecer que a sua posição é «pessoal» e que falava «da prevenção e combate a comportamentos aditivos».  Ontem, à Visão, voltou a sublinhar: «Portugal poderia ser um exemplo nesta matéria».

João Goulão é crítico, porém, quanto ao momento escolhido pela ministra para levantar o tema da legalização da venda destas drogas – uma experiência que já acontece há cerca de um ano no Uruguai e em estados americanos como o Colorado. «Todos os indicadores em termos de consumos em Portugal são positivos», justifica Goulão. «Há um aumento na idade dos primeiros consumos e uma diminuição nos consumos de todas as substâncias. E dos cerca de 100 mil consumidores problemáticos de drogas na década de 90 passámos para metade».

Por outro lado, o país – apontado  como exemplo no exterior quanto à sua política de drogas – levou nove anos a conseguir avaliar os efeitos da lei que descriminalizou os consumos. «Deveremos aguardar mais ou menos esse tempo para perceber como correm as experiências que estão a ser realizadas no Uruguai, por exemplo».

Uruguai e Colorado

Este país da América Latina fez história, em meados do ano passado, ao legalizar a venda de marijuana. O Governo de José ‘Pepe’ Mujica anunciara o seu plano de legalização em 2012, como forma de luta contra o crime organizado e outros problemas relacionados com a droga. É o Governo que tem o controlo da cadeia de produção, distribuição e comercialização da marijuana. Um ano depois, tem mais de mil produtores registados e 500 clubes de canábis, com 45 membros cada: cada produtor pode produzir seis plantas por pessoa que conviva consigo em casa, ou 480 gramas, por ano. Falta aprovar a venda da marijuana pelo Governo no mercado e continuar o plano de disponibilização de marijuana nas farmácias.

Também no Colorado, o primeiro estado dos EUA a permitir a venda de marijuana, já há dados, um ano depois: a criminalidade diminuiu e o Estado arrecadou 40 milhões de dólares em impostos.