Passos Coelho e dívidas à Segurança Social: uma lição para os políticos!

1.    Ao contrário do que prometemos aos nossos caríssimos leitores, optamos por adiar a segunda parte da entrevista de Passos Coelho ao Expresso para uma próxima oportunidade. É que as solicitações – via email, via a nossa página no Facebook  – para abordarmos  o tema que domina a actualidade política portuguesa foram numerosas e persistentes.…

2.    De facto, um nosso conhecido das lides políticas e jornalísticas havia-nos confidenciado que a estratégia de silêncio de António Costa era mais sabida do que aquilo que aparentava. O silêncio de António Costa estava para durar até às eleições legislativas – antecipou este nosso conhecido. Razão: “o Costa sabe umas coisas”. Pois bem, perante tais informações de fonte sempre muito bem informada, ficámos convictos de que algo relacionado com Pedro Passos Coelho (ou outra personalidade do PSD com peso no Governo ou no partido) iria surgir em plena campanha eleitoral – ou no final do Verão (já em pré-campanha ou, como alguns gostam de qualificar, campanha oficiosa). Mas não: surgiu agora. Agora que António Costa cometeu uma gaffe (ou melhor: pelo menos, cometeu uma gaffe!) e criou um ambiente hostil para a sua liderança entre as hostes socialistas. Sobretudo, entre os militantes de base: como se sabe, os dirigentes socialistas ou os socialistas nunca pensam por si. Estes seguem, invariável e acriticamente, as lideranças conjunturais, independentemente dos seus méritos e deméritos. 

3.    Logo, António Costa – que objectivamente deu sinais de desespero político, após a sua confissão pública de que admira o Governo Passos Coelho – precisava de reagir politicamente  com uma medida ou iniciativa suficientemente forte para virar o jogo a seu favor – ou recorrer a uma manobra de diversão que promovesse, de novo, a coesão do PS. Que fez então António Costa? Como sempre, seguiu o caminho mais fácil: criar a manobra de diversão. E a verdade é que Costa nem sequer tem coragem para dar a cara por uma manobra de diversão: distribui a tarefa pelos seus apoiantes mais fanáticos, como Sónia Fertuzinhos ou o inenarrável João Galamba. Os discípulos de José Sócrates a darem lições de moralidade política a Passos Coelho. Pois…

4.    Claro que se poderá dizer que tudo não passa de uma mera coincidência. Por acaso, a notícia do incumprimento de Passos Coelho surgiu dois dias depois do anúncio feito por António Costa de que Portugal está bem melhor do que há quatro anos – ou seja, desde que o PS abandonou a governação de Portugal. Mas convenhamos que acreditar que o timing da publicação desta notícia foi casual ou acidental é quase como acreditar num conto de fadas! E que conto! E que fadas! 

5.    Se nós fossemos socialistas (Deus nos livre!), diríamos que se traria de uma orquestração ignóbil e uma violação da reserva privada e da confidencialidade das informações de um contribuinte que põe em causa a democracia, o Estado de Direito e a legalidade democrática. Que Passos Coelho é uma vítima da violação do segredo que deve presidir à relação entre administração tributária e contribuinte por parte de mercenários da comunicação social. E, claro, teríamos de culpar o Público e o Expresso (os órgãos muito bem informados sobre a situação fiscal de Passos Coelho) por cumplicidade neste atentado aos direitos de personalidade e fundamentais do contribuinte Passos Coelho. E iríamos já amanhã num autocarro cheio de gente com cravinhos, pronta para gritar “25 de Abril, sempre!” e cantar o “Grândola, Vila Morena!”. Nós, por nosso lado, colocaríamos no nosso mural do facebook: “Passos Coelho, és o nosso Invictus! Força  camarada!”. 

6.    Mas, felizmente, não somos do PS. Os sociais-democratas encaram a divulgação destes factos como algo perfeitamente admissível numa democracia saudável: a liberdade de informação não pode ceder perante conveniências político-partidárias. Pelo contrário: a comunicação social deve ser tão incómoda quanto possível e desde que não subverta os mesmos princípios democráticos que deve defender e aprofundar. O PSD reagiu, pois, com serenidade, prudência e vontade de esclarecer os portugueses. 

7.    Passos Coelho – ao invés de outros, que quando criticados pela comunicação social, tentaram demitir jornalistas, utilizaram empresas públicas e dinheiro dos contribuintes para adquirir órgãos de comunicação social e influenciar as suas linhas editoriais e até utilizaram bancos privados para cortar financiamento a empresas de comunicação social para que jornais cessassem a sua publicação regular: tudo isto com o aplauso de António Costa na televisão – referiu que não é um cidadão perfeito e que também comete imprecisões. 

8.    Evidentemente que quem pretende exercer funções públicas de máximo relevo – como são as funções de Primeiro-Ministro – deve ser um cidadão exemplar. Tem de revelar um comportamento público exemplar, o que implica cumprir todas as suas obrigações de cidadania. Exige-se que seja um cidadão exemplar. Note-se, contudo, que cidadão exemplar não é o mesmo que cidadão perfeito. 

9.    A procura de cidadãos perfeitos para exercer a liderança política das Nações redundou sempre em regimes totalitários, os quais fundavam a sua legitimidade no pretenso virtuosismo inatacável dos seus líderes. Ora, os políticos, os Primeiros-Ministros, os Presidentes, antes de o serem, são cidadãos. Enfrentam as mesmas dificuldades, os mesmos problemas, as mesmas dúvidas que os demais cidadãos. Foi até um gesto de singular humildade, de coragem, esta afirmação de Passos Coelho de que apenas quer ser um cidadão comum, quer pertencer à comunidade que governa. 

10.    Dito isto, se é verdade que é um imperativo de cidadania solver todas as obrigações tributárias, não o é menos que não há nenhum português que nunca tenha tido dúvidas na interpretação e aplicação das leis fiscais. E as dúvidas sobre o regime jurídico do sistema contributivo são ainda superiores: nós, que somos professores de Direito, em matérias de Direito Fiscal e de Contribuições temos sempre de estudar muito bem a matéria para perceber, afinal, qual o regime que se nos aplica. Há tempos perguntámos a três colegas nossos, distintos professores da Faculdade de Direito e advogados de elevado mérito, qual seria a interpretação mais correcta de uma disposição legal do Código Contributivo – e obtivemos três respostas diferentes. É neste quadro que estamos! O Direito Fiscal é marcado por uma elevada complexidade, por uma linguagem que só os autores materiais da lei percebem e por uma dispersão inusitada. Quem perde? O cidadão. Quem ganha? Os advogados de Fiscal, as consultoras e o Fisco, nos seus vários esquemas para “aumentar a receita fiscal”, mesmo que violando direitos e garantias dos cidadãos-contribuintes. Se já se percebia que António Vitorino, em tempos, desconhecia que tinha de pagar a Sisa sobre uma casa que adquirira no sul de Portugal ou que António Costa tenha tido um problema semelhante, acreditamos que Passos Coelho foi traído pela complexidade do sistema fiscal português actual que ainda se tornou mais sofisticado do que nunca. Todos – incluindo, Passos Coelho – merecem, não obstante, uma valente reprimenda pública. Este incumprimento não deveria acontecer. 

11.    Consideramos, que o que está a suceder a Passos Coelho (e o que já aconteceu a António Vitorino e António Costa, por exemplo) é muito bem feita! No fundo, os criadores foram triturados pela criatura! Os políticos deixaram crescer e estimularam uma máquina poderosíssima, que frequentemente actua à margem do Direito, que trata as pessoas não como cidadãos, não como integrando o Povo que detém o poder e em cujo interesse deveria actuar – que é a administração tributária. Como? Tributando tudo o que mexe, tudo o que se ganha, valendo tudo para o Estado ir ao bolso dos trabalhadores. Não se consegue determinar o rendimento real das pessoas singulares ou o lucro das empresas? Então, recorre-se aos métodos indiciários (no fundo, uma estimativa dos rendimentos a partir dos sinais de riqueza…). Não se notificou o contribuinte? O imposto foi ilegalmente cobrado? Então, obriga-se o contribuinte a pagar e esse pobre coitadinho, querendo, que conteste depois. Tem razão? Paga-se depois quando for conveniente para o saldo orçamental…Registe-se que a culpa não é dos funcionários da Autoridade Tributária ou da Segurança Social, que cumprem com zelo e dedicação as suas funções. A culpa é dos políticos que fazem (e desfazem) as leis que os funcionários têm de aplicar, custe o que custar! 

12.    Passos Coelho está a provar do veneno que os últimos Governos e maiorias deram a experimentar aos portugueses. O Estado só chateia as pessoas, criando-se até a ideia de que não vale a trabalhar mais: o dinheiro que se recebe, pelo trabalho meritório e honesto, só serve para financiar os vícios do Estado. Agora, resolveu chatear Passos Coelho. Pode ser que sirva de lição aos políticos para sentir aquilo que os portugueses sentem: deixem-nos trabalhar! Deixem-nos ganhar o que merecemos – sem papeladas, burocracias e mais burocracias e sem ter de prestar contas ao Estado, para além de certo limite razoável! Há que reduzir as taxas de imposto aplicáveis e simplificar (muito mais) o regime jurídico fiscal. 

13.    O imposto é o preço da civilização. Até certo limite, o imposto é a contrapartida a que estamos vinculados pelo facto de pertencermos à sociedade política. Sociedade essa que é imprescindível para o nosso bem-estar e Segurança. Contudo, em Portugal, o imposto já é um instrumento de servidão – o cidadão trabalha para o Estado, reduzindo-se inversamente a qualidade e a disponibilidade de serviços públicos. E isto aplica-se ainda com mais premência no que respeita ao regime contributivo para a Segurança Social. 

14.    Vale a pena desenvolver esta ideia em próxima oportunidade. 

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