O Congresso da Cidadania servirá para apresentar uma classe política?
Eu não diria tanto, mas temos a percepção que mais do mesmo não dá. Na jornada do Carmo, que comemorou os 40 anos do 25 de Abril, ficou claro que há uma ampla frente social, transversal a todos os partidos, que se não revê nas práticas políticas dos detentores do poder, anteriores e actuais. É necessário, portanto, encontrar novas soluções.
O gostaria que saísse do Congresso?
A Associação 25 de Abril não quer arvorar-se em dona da solução, mas queremos ajudar a encontrá-la. Esperemos que o Congresso mostre que são possíveis outras alianças para além do Bloco Central.
Não acredita que o PS consiga a maioria absoluta?
Quando António Costa foi eleito, achava que o entusiasmo sobre o novo projecto do PS daria uma maioria absoluta. Agora, tenho muitas dúvidas.
Rui Tavares ou Marinho Pinto serão capazes de corporizar um projecto com a dimensão do Syriza ou do Podemos?
Nas eleições europeias, esses partidos pequenos serviram para pulverizar a votação e parece que isso voltará a passar-se nas legislativas. Para já, ainda não apareceu uma força com dimensão e credibilidade suficientes para ser alternativa. Mas é necessário que surja.
Essa força credível, e com dimensão, pode surgir de um partido tradicional?
O PS tem uma aceitação maioritária. Se fosse capaz de se transformar internamente, deixando de ser o saco de gatos de várias facções a digladiarem-se por interesses – e não por valores -, podia ser essa força. Mas não sei que sinais o PS pretende dar…
Que sinais seria importante que desse?
Por exemplo, escolhendo um independente para apoiar nas presidenciais. Se o PS insistir em apresentar um candidato presidencial que saia do seu seio, não acrescentará nem mais um voto nas legislativas.
Sampaio da Nóvoa ou Carvalho da Silva seriam bons candidatos?
Não vou falar antes do Congresso. O pior que podíamos fazer era transformá-lo numa coisa para lançar nomes.
Teme a consolidação de projectos populistas nesta fase de cansaço do sistema?
Sim, esta fase de descrença é perigosa. O populismo é um dos graves perigos. Ainda por cima temos tendência a ser sebastianistas. Mas acredito que iniciativas como este Congresso sirvam para se limem mutuamente arestas populistas que existam, no contacto entre projectos e personalidades.
A explicação de Passos Coelho de que foi por esquecimento e falta de dinheiro que não pagou ao Fisco e à Segurança Social é aceitável?
A mentira alimenta a descrença. Temos um primeiro-ministro que é um mentiroso contumaz. Um cidadão normal pode atrasar-se a pagar impostos ou dizer que não tem dinheiro. Alguém que quer ser primeiro-ministro não o pode fazer, sem perda de autoridade moral. Ele não tem autoridade moral, como não tem o Presidente da República. Cavaco Silva é pior do que Américo Tomás. Ficará na História pelos piores motivos possíveis.
Compara um Presidente imposto por uma ditadura com um Presidente eleito em democracia?
Cavaco tem legitimidade eleitoral, por duas vezes, claro que sim. Mas as pessoas enganaram-se. Ele tem telhados de vidro e cada vez que abre a boca sai asneira. Como agora, ao vir dizer que as dívidas de Passos Coelho são assunto de luta partidária. Transformou este assunto numa história para crianças. Eu sinto-me envergonhado por ter o Presidente da República que tenho. Este país de 900 anos merecia um bocadinho mais.
Um ex-primeiro-ministro em prisão preventiva que efeito tem para o regime?
É um facto altamente preocupante. Eu tenho muitas dúvidas sobre as fugas de informação no processo e acho miserável alguns aspectos da sua mediatização. E também me preocupa que possa haver instrumentalização política no julgamento deste caso. Não me pronuncio sobre a sua substância. Agora, isso não me impede que considere José Sócrates, enquanto primeiro-ministro, responsável pelo clima de corrupção que se instalou no país. A crise em que estamos não foi provocada por vivermos acima das possibilidades. Foi provocada pela corrupção.
A prisão de Sócrates é uma das causas de António Costa não descolar nas sondagens?
Terá a sua influência. Eu esperava que Costa criasse um élan que ainda não conseguiu criar, até para responder a esse factor negativo. António Costa foi a primeira a tirar a conclusão, depois da jornada no Carmo, no último 25 de Abril, de que era preciso encontrar quem desse resposta aos anseios desta frente popular. Tinha esperança que ele fosse essa pessoa, já não tenho tanta certeza.
O que tem Costa de fazer?
Tem de deixar claro que vai ser diferente. Será importante que ele apoie um candidato a Belém que não seja um membro da tribo. Se a luta interna no PS impuser um membro da tribo será muito negativo.
Mesmo que seja António Guterres?
Para o entendimento que tenho do que é necessário fazer, não gostava de ver Guterres Presidente da República. Mas tenho muita consideração por ele e sei que se concorresse secaria tudo à volta, à esquerda e à direita.
Qual deve ser o perfil do próximo PR?
É essencial que não seja membro de um qualquer partido, seja ele qual for. Depois, tem de recuperar a hierarquia de Estado. Actualmente o primeiro-ministro aparentemente domina o Presidente. Porque é assim? Não sei, mas todas as suposições são possíveis. Quando o PR voltar a ser a primeira figura, poderá demitir um primeiro-ministro que rasgue as suas promessas eleitorais.
O texto do Congresso fala da necessidade de 'ruptura'. O que é? É uma revolução que faz falta?
A meu ver, é pôr fim às panelinhas que têm dominado a política nos últimos anos. Se é revolucionário? Não sei, depende da acepção de revolução. Mas tudo o que tenha associado violência sou contra. A ruptura violenta, infelizmente, estou convencido que acontecerá, se continuar a corrupção, se continuar a indignidade que é impor deliberadamente a pobreza e o desemprego.
Qual é a actual situação dos militares portugueses?
Os militares são o único instrumento de política externa que Portugal tem. E mesmo assim continuam a ser enxovalhados. Pode-se pedir a alguém que vá para a guerra, não assegurando a protecção das suas famílias? Isso é o mínimo!
Vamos ter os capitães de Abril a comemorar a revolução, este ano, no Parlamento?
Ainda não discutimos isso. Mas as razões que nos levam há três anos a não ir à sessão plenária mantêm-se.
Uma ausência de três ou quatro anos é um manifesto evidente contra o actual Governo?
É um manifesto anti-Governo e também anti-Presidente da República, pois é ele que preside à sessão. Assumimos isso, não queremos ser politicamente correctos.
Não teme que desgastando as instituições, esteja a alimentar pulsões extremistas?
É um risco e tenho esse receio. Mas não gosto de pântanos. Nunca gostei de paz podre.
O que pensa dizer no discurso de encerramento do Congresso da Cidadania?
Será uma intervenção na sequência da que fiz no Largo do Carmo, no último 25 de Abril, adaptada a uma situação que se degradou nos últimos 10 meses.
O que piorou?
O estarmos ainda mais de cócoras face ao estrangeiro e a indignidade face ao governo da Grécia. Nós somos neste momento serventuários de uma potência estrangeira, que é a Alemanha. Temos tido situações miseráveis que nos envergonham a todos. Foi o caso da ministra das Finanças sentada ao lado do nazi do ministro alemão…
Porque chama nazi a Schäuble?
O partido de Hitler não existe, mas se existisse ele estava lá bem. Pela sua pesporrência, pela forma como impõe a austeridade quando, mesmo no seu próprio campo, ela já é posta em causa.
Qual devia ser o nosso posicionamento na Europa?
O projecto europeu é um projecto falhado. Ou se recupera o projecto de valores, de solidariedade, ou é melhor sairmos da União Europeia. Ter um instrumento ao serviço do capital financeiro não vale a pena. Limitamo-nos a eleger – passe a comparação – os presidentes de junta de freguesia. A democracia tem de voltar a ter sentido.
manuel.a.magalhaes@sol.pt