Síria, quatro anos depois: Assad resiste, o país não

No início de 2011, o povo sírio mostrava-se hesitante em aderir à onda revolucionária da Primavera Árabe, que fazia as primeiras vítimas entre as velhas ditaduras da região. O apelo das redes sociais ao ‘Dia da Raiva’, a 4 de Fevereiro, resultou em tímidas exigências de reformas. A Sul, em Daraa, alguém foi mais longe…

Síria, quatro anos depois: Assad resiste, o país não

O oftalmologista Bashar al-Assad tratou de justificar a timidez inicial do seu povo e de mostrar que não estava disposto a seguir o destino dos caídos Ben Ali e Hosni Mubarak. A resposta à pintura incluiu a detenção de estudantes e o recurso à tortura. A paciência esgotou-se e, a 15 de Março de 2011, milhares de sírios desfilaram nas ruas de cidades como Damasco, Alepo e Daraa, agora para exigir a queda de um ditador que 11 anos antes sucedera ao seu pai.

A tragédia que se deu nos quatro anos que passaram está resumida nos números chocantes apresentados no relatório do Centro Sírio de Pesquisa Política, publicado esta semana. Aos mais de 210 mil mortos e 840 mil feridos em conflito somam-se mais de 10 milhões de refugiados, incluindo cerca de 3,3 que se viram obrigados a fugir do país, estando a grande maioria em campos de refugiados nos vizinhos Líbano, Turquia e Jordânia.

Nenhum índice escapa a tamanha destruição social e económica. O desemprego aumentou de 14,9% em 2011 para 57,7% no final de 2014. A esperança de vida caiu 20 anos (75,9 em 2010 para 55,7 em 2014). Mais de metade (50,8%) das crianças em idade escolar não está matriculada neste ano lectivo e metade dessas já vão no terceiro ano consecutivo sem educação escolar.  

A população também reduziu, de 20,87 milhões em 2010 para 17,65 no ano passado. O relatório garante que a pobreza afecta já 80% dos que ficaram, incluindo “30% da população que caiu numa situação de pobreza abjecta, com dificuldades para fazer face às necessidades alimentares básicas para a vida”.

Voltando a Março de 2011. A revolta popular, reprimida com violência desde a primeira hora, agrega várias facções insatisfeitas da sociedade síria: aos estudantes revoltados juntaram-se rivais políticos, desertores do exército, comunidades tribais sufocadas pelo poder central, líderes islâmicos sunitas revoltados com a hegemonia da minoria alauíta, doutrina religiosa com origem no Islão xiita.  

Em Abril, o cerco de 11 dias imposto pelo exército a rebeldes que controlavam Daraa, o ‘Berço da Revolução’, mostrava que a primavera síria estava a afastar-se do desfecho das suas antecessoras. Quatro meses depois dos primeiros protestos é criado o Exército Livre da Síria, um grupo de desertores das forças de Assad apoiado por políticos exilados no exterior. Ao mesmo tempo, com financiamento dos Estados sunitas da região, multiplicavam-se os grupos de oposição armada ao regime.

Durante o ano de 2012 são várias as cidades que se soltam do controlo da ditadura. Mas a fragmentação entre os grupos opositores foi impedindo o controlo de áreas mais vastas de território. Com dinheiro e reforços da potência xiita da região, o Irão, Assad nunca se deu por derrotado. Controlando os acessos, impôs cercos às cidades.

O seu exército impunha-se, fosse preciso bombardear intensamente as próprias cidades ou até recorrer a armas químicas. Em Agosto de 2013, o lançamento de rockets carregados de gás sarin esteve perto de provocar uma intervenção internacional, aproximando Assad do final que Kadhafi tivera na Líbia, já na segunda metade de 2012, em plena guerra civil síria. Obama ponderou avançar mas ficou-se com um acordo na ONU que iniciou o processo de retirada de todo o armamento químico da Síria.

O cerco a Alepo durou dois anos. Ou melhor, o cerco ao leste de Alepo, já que o regime conseguiu manter praticamente intacto o controlo sobre o lado ocidental da sua maior cidade. No lado rebelde, onde antes da guerra vivia cerca de um milhão de pessoas, restam menos de 50 mil, que vivem no meio dos escombros, sem acesso a electricidade ou água potável.

Também em Homs, terceira maior cidade do país, o cerco se prolongou de 2012 a 2014, ano em que o controlo voltou para as mãos de Assad. O testemunho recente de um combatente rebelde na cidade, publicado no Guardian, revela a dimensão e natureza do grupo que é, para já, a principal consequência daquilo que há quatro anos era uma revolta popular na Síria – o Estado Islâmico (EI).

“O cerco durou dois anos e foi um teste duro para nós. Perdemos muitas pessoas queridas, fomos forçados a comer répteis, pele de vaca e folhas. Fiz o juramento no EI em Março de 2014. Tirei um curso de um mês da sharia, que incluía cinco lições por dias para aprender o Corão, as condições do Islão, a disciplina do EI. Depois Mossul e Raqqa foram libertados e tornámo-nos um verdadeiro Estado Islâmico”, recordou Abu Hareth.

Esse grupo, que se tornou famoso pelos vídeos em que divulga a forma como degola ou queima vivos os seus reféns, controla grande parte do leste da Síria (assim como uma boa fatia do oeste iraquiano). A outra parte dessa metade do país está nas mãos dos curdos. Na metade ocidental há pequenos bastiões de resistência nas mãos de diversas facções opositoras.

O resto continua nas mãos de Assad, incluindo toda a costa mediterrânica e a fronteira com o Líbano, embora já não detenha controlo ao longo da extensa fronteira com a Turquia. A brutalidade do grupo liderado por Abu Bakr al-Baghdadi fez com que os bombardeamentos das potências internacionais chegassem à Síria para atingir o inimigo de Assad. E para este continua a parecer mais importante salvar o regime do que o país.