“Desta vez, a direcção nacional da PSP está revoltada e pode não controlar da mesma forma uma manifestação”, conta uma fonte do MAI, explicando que este cenário faz temer uma subida da escadaria da Assembleia da República pelos polícias – que, no último protesto, há um ano, foi contida.
Clima de guerra no MAI
“Há um clima de guerra. A coisa está a começar a aquecer”, acrescenta outra fonte do sector. A sete meses das eleições legislativas, uma escalada de protestos das polícias pode ser uma pedra no sapato para a maioria. E a falta de traquejo político da ministra Anabela Rodrigues, cada vez mais apontada por várias fontes do MAI, pode vir a agravar a situação.
No centro desta guerra anunciada está uma proposta apresentada há duas semanas pela ministra, que apanhou os sindicatos de surpresa: o projecto para o novo estatuto da PSP não corresponde em nada ao que os sindicalistas tinham vindo a negociar com o anterior ministro, Miguel Macedo.
“Foram três anos de trabalho deitados para o lixo”, acusa Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, assumindo que, se a ministra não recuar hoje, os polícias voltarão às ruas. “Estão a empurrar-nos para aí”, diz.
“Esta proposta foi a machadada final no que restava de orgulho e brio”, concorda Henrique Figueiredo, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia, que admite que o descontentamento já se alastrou ao topo da hierarquia. “Até aqui, os oficiais têm tentado automotivar-se e segurar as pontas. Mas a partir daqui não vamos fazer mais do que nos é exigido. Os polícias não vão deixar de ser profissionais, mas vão baixar os braços”, avisa.
Hélder Andrade, do Sindicato dos Oficiais de Polícia, vai mais longe: “Esta proposta é uma manta de retalhos, sem preâmbulo. Estamos solidários e vamos para a rua também”.
A indefinição quanto à idade da pré-aposentação, a redução dos dias de férias (de 25 para 22 dias úteis) e o horário de 40 horas semanais são os principais pontos da discórdia entre polícias e ministra. Todos estes tópicos estavam já previamente acordados e definidos com Miguel Macedo em moldes que os sindicatos se dispunham a aceitar.
Macedo, aliás, tinha definido um calendário para os últimos meses de Governo, já com os olhos postos na campanha eleitoral. A expectativa era aprovar sem grandes dramas os estatutos, mas também apresentar trabalho feito: entregas de viaturas e coletes anti-bala, inauguração de esquadras e quartéis estavam já programadas para o final do mandato.
A medida mais visível seria, porém, o novo fardamento dos cerca de 20 mil homens da PSP. O concurso deveria ter sido lançado em Dezembro para que em Julho os polícias andassem já pelas ruas com a nova imagem. O plano já não será cumprido porque a nova ministra ainda não lançou o concurso.
100 dias de uma ministra discreta e pouco política
Mas Anabela Rodrigues, que está há cem dias no gabinete, tem outras batalhas à porta. Além da negociação – que se antevê difícil – dos estatutos da PSP e da GNR, vai enfrentar mais uma época de incêndios em plena campanha eleitoral.
No MAI e no Governo, teme-se que a postura da professora de Direito de Coimbra, avessa à política, possa dificultar a tarefa. “Tem tendência a isolar-se nos eventos públicos para não ser confrontada, porque tem pouco domínio dos assuntos”, comenta uma fonte policial.
Um episódio recente mostra que Anabela Rodrigues está pouco à vontade com o lado mais político da sua função. “Não queria ir à inauguração de um quartel de bombeiros porque achava uma perda de tempo. Foi preciso o gabinete do primeiro-ministro explicar-lhe que, se Passos ia, ela também tinha de ir”, conta uma fonte do MAI.
“É alguém que seria uma óptima ministra da Justiça. Mas no MAI está pouco à vontade”, aponta outra fonte, que a acusa de “impreparação política” – uma crítica recorrente no sector, onde lhe apontam o distanciamento e alguma altivez no trato com as polícias.
Até agora, Anabela Rodrigues tem-se escusado a dar entrevistas e são poucas as suas declarações públicas. Mas isso pode ter de mudar à medida que se aproxima a época de maior risco de incêndio: o Verão, que é tradicionalmente a maior prova de fogo para qualquer ministro no MAI.
“Há 20 anos que acompanho estes períodos de perto e há uma constatação evidente: em campanha eleitoral, o impacto dos incêndios é maior”, afirma Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil.
A pensar neste risco agravado, o ministério tinha já preparado um dos maiores dispositivos de combate de sempre e a entrega de novos equipamentos de protecção pessoal aos bombeiros.
De resto, Duarte Caldeira reconhece o esforço e diz que, desde 2007, há uma “política de continuidade”, que tem garantido, independentemente dos ministros ou governos, uma mesma linha de actuação no que toca aos incêndios. É na prevenção, aponta Caldeira, que persistem as maiores falhas. E essa é uma área que não está sob a alçada de Anabela Rodrigues.