“Quem cabritos vende e cabras não tem…”

O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou, esta terça-feira, o recurso de José Sócrates que contestava a prisão preventiva. Os desembargadores Agostinho Torres e João Carrola consideram que não há um forte perigo de fuga, mas confirmam a existência de “fortes indícios” dos crimes investigados – corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal – e…

“Quem cabritos vende e cabras não tem…”

Os desembargadores lembram, aliás, que Sócrates escondeu o seu computador na casa de uma vizinha, contando com a cumplicidade de familiares e pessoas próximas, que estão “ainda em liberdade”. E mesmo que não houvesse um perigo iminente de fuga, os desembargadores admitem que o juiz Carlos Alexandre tinha motivos para temer esse cenário, em Novembro, quando decretou a prisão preventiva: “Ao arguido são conhecidas e públicas excelentes relações políticas em África e, sobretudo, no Brasil e Venezuela”.

No acórdão, ontem divulgado pelo jornal i, os juízes classificam a “amizade sem limites” com o empresário Carlos Santos Silva,  invocada por Sócrates, como um “inexplicável comportamento fiduciário”, questionando as avultadas movimentações financeiras entre ambos: “Diríamos, amizade sim, por que não? Mas tanto assim também não! E amizade assim, por que razão? O arguido Carlos é um empresário, um homem de negócios. Até pode ser uma pessoa altruísta. Mas é empresário, vive de e para o dinheiro, para o reproduzir, multiplicar e ter lucros”. Por isso, o Tribunal valida a suspeita de que é um testa-de-ferro: “Só assim se explica aquela ‘magnanimidade’ e beneficiação patrimonial”.

Os avultados gastos de Sócrates também são postos em causa: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”. A casa de Paris onde viveu e que custou 2,8 milhões de euros e as 40 entregas de dinheiro vivo que Carlos Santos Silva lhe fez (num total de 672 mil euros) são alguns dos 10 esquemas elencados pelo procurador Rosário Teixeira, titular do inquérito, na resposta ao recurso enviada à Relação.

Ontem, os advogados do ex-primeiro-ministro, João Araújo e Pedro Delille, acusaram os juízes de “desprezo por valores e princípios elementares do Estado de Direito”. Num comunicado, dizem que o acórdão da Relação “não é mais do que uma mistura de anexins, de franjas de prova, de probabilidade de indícios, de presunções lícitas, de rabos de gato, de cabras e de cabritos, das inevitáveis mulheres de César e de outras razões de semelhante juridicidade”.

sonia.graca@sol.pt